Um Conduzindo Miss Daisy francês adicionados uns cigarrinhos de maconha, anarquia soft e algum conteúdo. Tangenciando tensões e abismos sociais dos nossos tempos, põe em baila a velha França imobilizada e a questão da imigração. Tudo é branco no preto, centro/periferia, rico/pobre, alta cultura/baixa cultura, África/Europa. Tudo se fazendo pela aproximação de dois sujeitos, um ricaço tetraplégico e seu (inicialmente à revelia) cuidador inexperiente, o ex- presidiário Driss.

O filtro é a aproximação não tensa de opostos, laços de afeto e amizade amenizando um olhar mais perspicaz, que por não querer ir ao fundo, termina por ser raso.

A justificativa é que não é um filme de “autor”, foi talhado para se comunicar com o público, ou seja, dar lucro, vender pipoca, fazer rir um pouco e quase chorar. Honestos, seus diretores reafirmam despretensão ao fazer um filme de gênero no qual os americanos são mestres: dos encontros inter-raciais.

Competentes, uma coisa que não se pode dizer é que o filme não encante ou emocione. Neste mundo de gêneros pré-digeridos, a originalidade é o que menos conta, e a transposição do passado segregacionista estadunidense faz espelho na Europa em relação aos imigrantes de países subdesenvolvidos/ex-colônias. Mas Intocáveis é um filme feliz, passa rápido do conteúdo sério para o humor jocoso. Contornando qualquer possibilidade de leitura irônica (que denunciaria um olhar crítico sobre o tema), pende a balança para a jovialidade imprudente, a alma simples, safa e malandra de Driss.

Anjo negro a trazer ao mundo o petrificado aristocrata Phillippe, Driss brilha graças ao talento e carisma inconteste de Omar Sy. Em tempos em que o adolescente é rei e senhor dentro e fora das telas (também como consumidor), só o hedonismo jovem, inconsequente e um tanto débil de um vital Driss seriam capazes de converter o trágico em alegria, cativar o público e fazer a bilheteria bombar. Não recusemos a qualidade de condução clássica do filme, a boa trilha, o primor da atuação de François Cluzet (toda centrada no olhar), nas locações que enfatizam a deslumbrante Paris aristocrática onde ricos esbanjam com desenvoltura e pobres estão na pendenga ou envolvidos na marginalidade. Aliás, são desses polos, riqueza e carestia, que emegem o humor da trama, já que não há conflito real, e toda ação modificadora advém do cuidador senegalês.

Dito tudo isso, desnecessário mencionar que tudo segue redondo e azeitado para um final feliz, cândido e apaziguador. Acrescente, que no final há aquelas legendas horríveis a explicar o destino dos personagens, pontuando assim o vínculo do filme assistido com fatos reais – já que é inspirado na autobiografia do cadeirante aristocrata. Tal confirmação só vem reafirmar o desprestígio da ficção em nossos dias, pois todo filme que aspira a público parece hoje exigir a chancela da realidade.

Críticos ranzinzas vão chamar Intocáveis de demagógico; outros, como eu, vão passar por cima de tudo isso e curtir o que ele tem de bom e leve, tentando ignorar o que possui de calculado – porque possui. Mas vamos lá: é sempre bom ver um filme em que o ser humano mostre-se mais digno e melhor do que parece ser de fato. O mérito maior, de Intocáveis, contudo, é dar ao mundo um novo – e necessário – astro negro: Omar

[Intocáveis (Intouchables), de Olivier Nakache e Eric Toledano, França, 2011.]

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