Se, por um lado, a atitude romântica de fundo é idealizar um passado que não se viveu ou dele ser saudosista, e, pelo outro, fairy tales são as estórias da infância da humanidade, como dizia Carpeaux, então pode-se dizer que este post perpassa essas duas vias. Já no século XIX os irmãos Grimm e o compositor de óperas Richard Wagner voltavam-se para um passado encantado de seu país ou de sua gente em formação para buscar a pedra histórica em que fundar sua identidade nacional. O processo de tomada de consciência das origens de um país no mais das vezes se dá nos termos de uma busca pelos pais fundadores. Podemos dizer que nosso próprio romantismo (não só literário) o imitou, ao buscar a identidade da gente brasileira nos índios; não é à toa que a obra de arte tupiniquim mais pungente de todos os tempos seja ela romântica; ouçam o início de O Guarani (1870) de Carlos Gomes e tentem não ter a reação daqueles que primeiro o ouviram, levantando-se e tomando-o como o verdadeiro hino nacional.

Walter Elias Disney com seus 21 anos de idade em 1922

Mas nosso assunto agora é o romantismo eclético e a criatividade inventiva de Walt Disney, em curtas para o cinema que vão do final da década de 20 até a década seguinte — ou até mais tarde, embora já não se tratasse da Silly Symphony; neste aspecto comparem Cars (2006) da Pixar com Susie the Little Blue Coupe (1952) da Disney. Sinceramente começo a explorar o assunto agora, então não farei comentários muito específicos; que as animações se mostrem por si mesmas.

A ideia é contrastar os curtas que a Disney produzia há mais de três quartos de século atrás com os curtas que a Pixar produziu um quarto de século até uma década atrás. Todos devem saber que a produtora de animação da luminária saltante surgiu como um dos projetos de George Lucas, que ele teve de abandonar porque passasse por um divórcio difícil; vendeu-a então a Steve Jobs, que, no contexto de sua saída da Apple na década de 80 e da fundação da NeXT, levou a Pixar para um nível inimaginável, que só se pode ver de fato com o desenho mais revolucionário de todos os tempos (com a exceção de um, de 1937). Toy Story, lançado em 1995, simplesmente mudou a história da animação no cinema. Dali em diante a Disney não saberia mais o que fazer, e tudo que surgisse depois no campo seria concorrência mimética, como fez a Dreamworks, por exemplo.

Longas, porém, não são o foco aqui (um bom post a respeito é este); e sim os curtas. Por isso mostraremos como a turma da Disney foi revolucionária e revolucionária na época de seu avô, caro leitor, que deve ter visto alguns desses curtas no cinema, assim como seu pai e você mesmo devem ter visto, por exemplo, Three Little Pigs (1933) na televisão. Pois não é que as pessoas cantavam “who’s afraid of the big bad wolf?” (“quem tem medo do lobo mau?”) poucos anos após a crise de 1929?

Abaixo seguem alguns dos mais interessantes curtas da Disney no início do século. O mais cativante de todos e o que provavelmente chamará mais atenção do leitor da SOUL ART é o primeiro, que traz duas ilhas em guerra, a Isle of Jazz e a Land of Symphony, ambas cercadas pelo Sea of Discord. Não quero dizer nada, apenas assistam. Vocês podem checar uma lista de vídeos do projeto Silly Symphony no YouTube.

Peço apenas que prestem atenção num dado curioso: todos os curtas e longas da Disney têm elementos muito mais tenebrosos e sinistros que os da Pixar, que se assemelham a ensaios do que viria pela frente; isto embora os próprias curtas de Walt Disney fossem também preparações para longas por vir, como Snow White and the Seven Dwarfs (1937). Só que foram muitíssimo melhor desenvolvidos do ponto de vista do roteiro e do argumento. São clássicos, a despeito de pouco conhecidos, enquanto a produção da Pixar finda em mera curiosidade histórica de uma época em que se davam os primeiros passos no desenvolvimento da computação gráfica; fato este que muda nos anos 2000, quando podemos ver o curta mais bem desenvolvido pela Pixar, For the Birds, que estampa este parágrafo.

Lembrem o seguinte: hoje a Disney não existe mais enquanto produtora independente. Na verdade está morta. Comprou a Pixar de Steve Jobs em 2006, embora isto significasse na prática a incorporação pela Pixar da marca Disney, pois o estúdio que realmente produz os longas de animação é o da luminária saltitante (confiram “Luxo Jr.” [1986] acima).

Somente como nota, há pelo menos dois vídeos especiais da Disney que ficaram de fora, mas que recomendo veementemente: The Cookie Carnival (1935) e Lullaby Land (1933).

Music Land, 1935 (Disney)

 

The Skeleton Dance, 1929 (Disney)

 

Broken Toys, 1935 (Disney)

 

Red’s Dream, 1987 (Pixar)

 

Tin Toy, 1988 (Pixar)

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Sobre o autor

Professor de Inglês / Filosofia

Bacharel e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo. Autor do blog Post Scriptum sobre filosofia, política e as artes. Palpiteiro semi-profissional no Twitter (@ps_blog_br) desde 7 de junho de 2017.