Tentando entender o código visual atual do faça-você-mesmo no Instagram aparecem diversas contradições que só ao longo do tempo acabam por se cristalizar. Instagram e filtro não são novidades, mas a sua assimilação cultural não é pontual, mas contínua.

Instagram

Assim, surgem os paradoxos. Por um lado, a relação olho-câmera nunca foi tão natural. Com as câmeras no celular, a intimidação do dispositivo fotográfico diminuiu significativamente; o ritual da fotografia ficou mais fácil, posar para a foto ficou mais comum (talvez essa seja uma das experiências relacionadas que mais mudem com a cultura, basta compararmos com a ausência de sorrisos nas fotos até meados do século XX); acostumamos a ver nossa própria imagem pública com mais frequência; acima disso, acostumamos a ter uma imagem pública materializada.

Aí chegam as intervenções na fotografia, que antes eram restritas à fotografia profissional e mais comuns na publicidade. Com o Instagram, os filtros são acessíveis a todos os que usam o aplicativo, bastando o apertar do botão.

Então há um paradoxo: a visão do fotógrafo (função imediata, aproximação do cotidiano) com a edição e seleção da imagem.

O cotidiano passa a ser facilmente compartilhado; já existe uma cultura dos atalhos ou pontos de contato bem definida: o que comi (de especial) no café da manhã, um evento (curioso) na cidade, a roupa (nova) que decidi vestir, etc. Os pontos de contato são os pontos fora de linha no gráfico da vida diária. Estes podem, contudo, ser simulados.

Enfim, há certa proximidade ou transparência com os amigos ou seguidores do fotógrafo, que não havia na época da máquina fotográfica (levar a máquina a um evento já denotava o ponto fora da linha). E hoje, simultaneamente, há os filtros, tanto os externos ao fotógrafo (na imagem) quanto os internos  (a seleção, que significa o controle da realidade, e para muitos o cerne da fotografia como arte: mas o Instagram não é arte, e sim vida cotidiana, salvo os que decidem fazer da vida sua ouvre, para além de uma estetização da vida).

Os filtros mecânicos, uniformemente disponíveis e conhecidos, contudo, constroem uma realidade (pararrealidade) que pode ser um objeto de análise interessante, porque assim, conhecidos pelo público e comuns a todos os usuários do Instagram, podem ser tão verdadeiros como a própria realidade porque são só uma representação de uma certa textura emocional.

Há dias que minha vida é #brennan, há momentos que é #valencia, e há amigos cujas vidas são #amaro ou #sutro. Quando um amigo escolhe o filtro #sutro, sei o que #sutro significa para mim, e entendo o que ele quer dizer para além das sofisticadas combinações de tons e texturas que já me diriam, visualmente, o que ele queria dizer.

E os filtros autorais, mais complexos, são o combustível do jogo de dissimulação que as redes sociais (em certa medida o Facebook, mas em especial o Instagram) iniciam. As jornadas de trabalho são suprimidas, os domingos tediosos são descontados, o evento notável é o ponto de contato, a aparição pública — ainda que tudo seja sistematicamente simulado como rotina.

O Instagram também inicia uma administração criativa de personas e personagens. A persona dissimula, na esperança de ser acreditada pelo que finge ser (e paradoxalmente, para incrementar o jogo, manda um wink 😉 para o bom entendedor e cúmplice que sabe o que se passa, e que a vida é mesmo rotineira embora a arte seja criar o contrário). Já o personagem inventa-se como uma espécie de roteirista e fotógrafo de si mesmo, e o eu-poético e o autor se encontram sinergica e eventualmente. Assim, tanto para rotinas editadas quanto para personagens e personas, o aspecto de dissimulação é em parte absolvido se o jogo é percebido por todos os jogadores: faz-se a arena.

Por uma razão ou outra, a identidade da internet cristaliza-se e não se dissocia mais da identidade civil. O tempo de anonimato e persona na internet parece um tempo distante; o que  parece haver é o surgimento de autores e atores que interpretam versões de si mesmos (versões variando entre mais ou menos verossímeis), ao invés de personagens completamente inventados.

Fotos por @miss_noora

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