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Conto: Robson Alkmim | Ilustração: Filipe Rocha

Naquela área de seu retângulo acolchoado, ele desfilava as suas mãos sobre a pele macia de seus desejos convertidos em corporeidade como se mergulhasse seus dedos numa água límpida e fresca. Suas palmas preenchiam toda a massa, procurava por curvas conhecidas na intenção de se surpreender com novos caminhos que o levassem a um êxtase diferente. A carne apertada, amaciada, deslocada, reagia com espasmos suplicantes e tremores febris sob o outro corpo, mais pesado, que tentava dominar a situação entre movimentos precisos e esforçados para sustentar o seu prazer unitário. Laura deixava-se invadir, escorrendo a multiplicidade de seu divertimento entrecortado por sua voz inarticulada, palavras que não lhe vinham à cabeça, mas que transbordavam pelos seus lábios, inevitáveis. João embaralhava-se pelo espesso cabelo dela, sentindo seu cheiro vivo e suave. O lençol azul tomava as formas dos corpos conforme suas intenções sincronizadas e improvisadas. Os travesseiros eram esquecidos no chão, depois trazidos para cima e exerciam a função de um pêndulo amoroso sob Laura, para novamente serem atirados bem longe, pois os corpos giravam e ganhavam novos relevos naquela selvageria íntima. O som ritmado da cama, um tanto velha, gritava e sussurrava sobre o assoalho do quarto que, cada vez mais quente, tornava-se como uma estufa úmida cheia de plantas num processo de renovação de suas existências. João e Laura sabiam o momento de parar, não contavam minutos, as horas e a quantidade de energia gasta, só tinham medo do amanhecer, quando eles seriam obrigados a se separarem.

João conhecera Laura numa balada, era quinta-feira. Ele estava com alguns amigos e tinha acabado um namoro de cinco anos com uma garota e não sentia tristeza alguma. Laura estava desacompanhada e completamente bêbada, girava e cantava chorosa no meio da pista ao som de “Satisfaction” dos Rolling Stones, usava um vestido negro e curto, metida numas botas que iam até seu joelho e balançava seus cabelos flamejantes freneticamente. Encantado, João se aproximou dela. Seus olhares se encontraram e dançaram próximos durante uma boa sequência de músicas. Do olhos, passaram para as bocas e gestos nervosos, mesmo assim, saíram para conversar num lugar mais tranquilo. Os assuntos se desdobravam atabalhoados entre músicas e bandas, flores e viagens, bombas e passeatas, amor e ódio, nascer e morrer. O desejo mútuo se afirmou e João levou a moça para seu apartamento. Nenhum dos dois parecia disposto a ter novamente um relacionamento tão cedo. Laura contou-lhe que estava numa ressaca amorosa e a dor a incomodava. Por brincadeira, e para corresponder ao grande entrosamento sexual descoberto entre eles, decidiram que se encontrariam todas as quintas, numa forma de manter e controlar o desejo que lhes havia picado maliciosamente.

Os encontros foram se acumulando e perceberam que as quintas se transformavam em dias de alegria incomum, e as sextas de latejantes saudades. Apesar de terem muitos assuntos em comum com os quais poderiam trocar mais informações a respeito um do outro, pouco se conversava nos encontros, o sexo tomava-lhes a mente e o tempo. Havia, também, um medo escondido em seus corações que amadurecia como uma erva daninha.

No peito de João crescia a necessidade pela presença mais constante de sua amante. Durante os dias que antecediam a chegada de Laura, ele passava suas horas, tanto no trabalho na biblioteca quanto em casa sozinho, completamente absorto na ideia de que em algum momento teria que declarar sua paixão àquela mulher que não lhe criava qualquer expectativa. Tinha vontade de perguntar-lhe sobre coisas pessoais, onde morava, estudava ou trabalhava, mas uma vez que ele tentou, ela se se zangou e João desistiu da ideia de aborrecê-la para não estragar o que estava indo tão bem.

Laura era seca quando tocava no assunto relacionamento, como se houvesse uma pedra no lugar do coração, escapando de qualquer explicação. Ela já estava próxima dos trinta anos e havia perdido quase a totalidade da inocência necessária para se apaixonar. Sentia extremo prazer em dividir suas noites de quinta com seu amante casual, mas era só. Deseja ser livre, ter outros relacionamentos parecidos como aquele e tentar a sorte quando ela aparecesse. Laura sabia que aconteceria sem nenhuma afobação, tudo naturalmente. Na realidade, não amava João, e tinha medo de dizer isso a ele, que era mais novo alguns anos e possuía a vitalidade da ilusão de que qualquer pessoa que ia para a cama com ele seria alguém para se viver junto. De sua vida, ela dizia que era reservada demais para dissecá-la para alguém e que não valia a pena. Laura não permitia que João contasse a ela sobre sua vida. Saber que ele morava ali e que conhecia algumas coisas que ele gostava já lhe era o suficiente.

No meio desses paradoxais objetivos, seus corpos se entrosavam cada vez mais. A fugacidade de seus encontros era ardente e complacente. O momento da transa se tornava um alívio e uma escapadela da realidade para os quais eles não estavam convencidos de sua veracidade.

Com o tempo a alegria foi cedendo lugar à melancolia, principalmente por parte de João que, numa quinta chuvosa, muito desesperado, decidiu cravar aquilo que Laura tinha medo de ouvir daqueles lábios que aprendera a admirar e que tanto prazer lhe proporcionava como raios de sol no inverno. A chuva foi rápida e deu lugar a um silêncio sepulcral, em que cada um virado para um lado da cama já não sabia mais o que dizer.

Eles se viram durante mais algumas quintas-feiras, mas João sentia que Laura esfriava e esfriava, seu corpo não era mais sedoso, sua respiração se tornara automática e seu gozo ficara tímido. Ela deixava uma névoa melancólica de seu perfume no quarto quando ia embora e João se sentia culpado por amar ou mais do que isso, estava viciado e sofria daquela droga que lhe abastecia a vida.

Não demorou para que Laura sumisse. João esperava, incerto, o retorno de sua amada e que as coisas voltassem a ser como antes. Imaginava o planeta girando ao contrário para voltar ao passado, mas nada adiantava, pois jamais trocaram telefones, nem sabia ao menos o sobrenome dela, tão misteriosa se foi como a chuva daquele dia. Procurou nas redes sociais qualquer Laura, abriu centenas de perfis no Facebook, passou madrugadas em claro com os olhos cansados e tristes. Nada encontrou.

Como eles se conheciam pouco, não demorou para que um dia se encontrassem acidentalmente. João estava arrumando alguns livros numa prateleira da biblioteca quando avistou na entrada uma mulher parecida com Laura. Ela estava saindo e conversava com alguém do lado de fora. João aproximou-se e não teve mais dúvidas quando ela se virou e seus olhos se encontraram como na balada, mas desta vez tudo foi diferente. Ela gemeu e deixou cair o livro que segurava, um exemplar sobre a Mitologia Grega. Um rapaz alto se agachou e pegou o livro, logo entregando para ela. Laura se virou e puxou o rapaz pelo braço e ele a enlaçou pela cintura. João os observava, não teve coragem de falar nada. Sentiu uma fagulha de dor transpassar pelo seu peito, imaginou-se correndo, pegando no braço de Laura, girando-a e dando um tapa em seu rosto. Também não o fez.

João entrou na biblioteca, pois havia muito trabalho pendente. Sentado em frente a um computador para organizar alguns arquivos, com o coração em brasas e a imagem de Laura fugindo com o rapaz iluminando seus pensamentos como a luz de projetor de cinema, observou o calendário no cantinho da tela e suspirou profundamente: era sexta-feira e fazia um ano do primeiro encontro.

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