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Segundo o jornalista Tárik de Souza, enquanto a maioria das bandas de rock nacional dos anos 1960 tentava imitar a música produzida fora do país, a banda paulistana Os Mutantes buscava uma identidade nacional, unindo rock e inteligência. Além da música, o trio que criou este conjunto em 1966 — Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista — tinha uma identidade particular no que tange a suas personalidades: eles falavam, se vestiam e se comportavam de maneira diferente. Sérgio, por exemplo, era visto com frequência no bairro da Pompeia usando franjinha Beatles, calças Lee e tênis de basquete – o guitarrista mais famoso da região tinha um visual ousado aos olhos dos demais moradores do bairro.

A ascensão do conjunto foi meteórica. Gravado em 1967, mas só comercializado no ano seguinte, o álbum de estreia da banda figura até hoje nas listas dos clássicos internacionais (está entre os 50 álbuns mais experimentais de todos os tempos, segundo a revista britânica Mojo). Misto de guitarra elétrica, novos registros de voz, poesia e música instrumental, Os Mutantes — nome dado ao LP — foi um experimento inédito na cena mundial.

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Will Hodgkinson, o autor da resenha do álbum para a Mojo, tem uma ótima definição para os meninos: “adolescentes brasileiros do LSD que desconstruíram Beatles para reconstruí-los novamente, de forma errada”. Além da menção aos Beatles, banda marcante no começo da carreira do trio, a definição de Hodgkinson é perfeita para ligar o primeiro trabalho dos Mutantes com outra importante fonte de inspiração, a Tropicália.

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A criação do disco foi paralela ao surgimento do movimento tropicalista e suas influências foram mútuas. Nos anos 1960 o mundo passava por uma revolução cultural e os tropicalistas buscavam captar essa efervescência. E captaram: guitarras elétricas, Beatlemania e a cultura pop de uma maneira geral foram inseridas no Brasil como uma tentativa radical de mudar o país com arte — feito que ganha ainda mais importância no contexto de ditadura militar em que o Brasil se encontrava –, a deixa para os Mutantes entrarem em cena.

Panis et Cirsencis, composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil — os “fundadores” da Tropicália –, abre o disco com o pé na porta. Ela é a que melhor sugere uma transição social. Sua letra critica o modelo familiar que não é aberto a novas experiências e já na primeira estrofe causa impacto: “Eu quis cantar / Minha canção iluminada de sol / Soltei os panos sobre os mastros no ar / Soltei os tigres e os leões nos quintais / Mas as pessoas na sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer”.

Uma curiosidade sobre essa música é que ela se encerra ao som da antiquada valsa Danúbio Azul, enquanto pessoas conversam na sala de jantar. A voz de uma dessas pessoas é de Manoel Berembein, diretor da Philips que comprou a briga dos tropicalistas e resolveu gravar esse álbum debutante dos Mutantes. Outra composição de Gil e Caetano no LP é Bat Macumba, que ganhou efeitos sonoros de guitarra produzidos pelo irmão mais velho da família Baptista, Cláudio César.

Caetano também assina as faixas Baby — que ganha interpretação oposta à bossa nova, com distorções de guitarra e teclados — e Trem Fantasma, esta em parceria com os Mutantes. Já na faixa A Minha Menina, a parceria do trio paulistano foi feita com Jorge Ben. E é o próprio Ben quem toca violão nesse samba-rock que até hoje elava o espírito de quem se perde nas pistas do centro místico de São Paulo.

Outra característica do disco é a experimentação sonora desenvolvida por meio da mistura, ou sobreposição, de música popular, erudita, técnicas de estúdio e som ambiente. Os arranjos desta miscelânea musical ficaram por conta do maestro Rogério Duprat. Foi dele, por exemplo, a ideia de utilizar o som de pessoas jantando ao final de Panis et Cirsencis, além de diversas outras intervenções; o que prova a genialidade de um dos primeiros maestros a contribuir com a música popular.

Os Mutantes, de 1968, marca a inserção da banda paulistana na cena internacional e é apenas a porta de entrada para uma carreira que foi e ainda é referência para músicos do mundo todo, de Kurt Cobain a Devendra Banhart. Contudo, neste primeiro álbum estão as primeiras sementes que foram cultivadas ao longo da trajetória da banda: a experimentação, o rock e o bom humor.

Escute:

  1. Panis Et Circensis
  2. A Minha Menina
  3. O Relógio
  4. Adeus Maria Fulô
  5. Baby
  6. Senhor F
  7. Bat Macumba
  8. Le Premier Bonheur Du Jour
  9. Trem Fantasma
  10. Tempo No Tempo
  11. Ave Gengis Khan
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