Não é nenhuma novidade para os debates sobre as relações sociais da minha geração, mas é muito forte para mim a impressão de que existe uma obrigação generalizada em cima de todos: a obrigação de sermos extremamente felizes. Mas em que consiste essa felicidade?

Nas redes sociais, no trabalho, nas festas de família, nas baladas e quase todos os lugares, aprendemos que somos bons apenas se formos bem sucedidos e que o sucesso é sempre material e imediato, mas deve ser mantido. Não importa o quanto fiquemos satisfeitos em uma situação no espaço-tempo, temos que procurar uma satisfação nova a cada momento para que possamos ter a famosa felicidade, que se constitui de vários pequenos momentos de alegrias efêmeras. Parece que nos foi dada a oportunidade e a liberdade de conquistar o mundo todo e que se quisermos apenas ficar em paz na varanda, seremos muito burros. Parece até que felicidade é poder, ou então uma mercadoria que se acumula e só tem valor através do reconhecimento dos outros, ou da ostentação.

Há um ditado popular que se ajusta muito à forma de buscar felicidade de nossa geração: “Quem vive de passado é museu”. Quem diz isso pode até estar certo, afinal viver o presente é realmente o que se espera e o tempo não passa de uma abstração. Muito bonito. Porém, a questão que eu faço a você e a mim é a seguinte: o seu presente te faz realmente viver? Eu poderia também responder: Não. Isso acontece pelo simples fato de que a maior parte das pessoas que dizem isso não estão realmente vivendo o “presente”, elas simplesmente estão focadas na expectativa do novo. Isso quer dizer que os momentos de satisfação são quase nulos, sendo eles pequenos “flashes” de euforia que escapam pelas mãos e logo são superados pelos novos anseios e as novas aspirações. Além disso, essas vontades quase sempre têm um cunho individualista muito forte. Elas quase sempre estão ligadas à auto superação, sem levar em conta a estrutura que as faz existir em detrimento de outras, como por exemplo, o bem comum.

Arte por Nina Popovska

O “outro”, no meio disso tudo, só serve para saber e confirmar ao ego dos indivíduos o quão bem sucedidos somos na nossa busca por conseguir mais e mais sempre, a troco de nada e ao preço que for. A lógica no meio disso tudo é a seguinte: “O sofrimento ou a felicidade do outro só importa na medida em que me faça parecer ainda melhor.” Posso parecer moralista ou pessimista dizendo isso, mas eu explico o que quero dizer: quando se curte uma foto de algum “outro” que pareça “feliz” em alguma rede social, ou quando se divulga algo “triste” para ajudar alguém, a imagem que se passa é a de que se é uma pessoa realizada e feliz, ou ao menos de que se é alguém que busca a felicidade, perpetuando assim a lógica vigente. Dentro dessa lógica, quanto mais likes o outro der às minhas publicações “felizes”, mais a minha satisfação do momento deu certo e mais “feliz” eu sou como um todo. Dessa forma, o pensamento de cunho cooperativo e coletivo de fato se esvai, dando lugar à celebração do indivíduo, enquanto a criação de uma consciência crítica sobre a própria vida fica cada vez mais difícil. A ideia é: a minha vida, na minha cabeça, é só minha e não tem nenhuma relação com a estrutura social. A do “outro” também. O que nos une é que ambas têm que parecer ótimas para que todos gostem, mesmo que por um acaso choremos todos os dias no banho.

A felicidade se tornou uma mercadoria, como um carro do ano ou um celular de última geração. Quanto mais “flashes” de felicidade acumulados, mais “vencedor” na vida você é. Quanto mais se ostenta o bem da satisfação, da alegria, mais “rico” socialmente se é. Troca-se pontos em felicidade por pontos na escala social. Isso acontece porque quanto mais satisfeito e alegre você é, ou parece ser, mais interessante você se torna para o mercado de trabalho, ou para liderar alguma atividade em sua comunidade. Dentro disso, a obrigatoriedade de uma felicidade que muitas vezes não é genuína se torna ainda mais forte. (Alguém viu o meu antidepressivo por aí?)

Junto a isso tudo, nos é cobrado que sejamos livres e independentes. Liberdade é um tema muito complexo, mas nesse caso não é. Ser livre é poder ir embora a hora que quiser, em busca de que? Do novo, é claro! É muito comum a ideia de que na busca pela “felicidade”, quanto menos apegados a qualquer coisa, melhor. Eu não discordo disso, afinal, o apego pode mesmo nos estagnar como seres humanos e até nos tornar conservadores. Não é disso que tratamos aqui. A questão é que criar raízes é muito diferente de criar apego. Criar raízes é muito mais do que não poder ir embora, é, na verdade, ter para onde voltar. Não andar pelo mundo com um sentimento de vazio, sem saber a razão. É não precisar consumir tudo o que se vê pela frente porque a base principal como ser humano já se tem. Criar raízes, porém, necessita tempo, atenção e entrega, coisas que estão em falta na nossa geração.

Um dia desses parei para ouvir uma música que há muito tempo não ouvia e que me fez pensar sobre raízes, sobre nostalgia, sobre infância. A música era “Fazenda”, do álbum de Milton Nascimento, Geraes. O álbum é de 1976 e isso me fez questionar o quanto ainda existe espaço para o tipo de sentimento trazido por ela nas nossas vidas. Ninguém é obrigado a gostar da música, é claro, mas o fato é que viver o que se conta na letra da música necessita intensidade e verdade no trato, necessita deixar de lado as aparências enquanto se valoriza os sentimentos reais. Apreciar a melodia e ser inspirado por ela, pede calma. Mas afinal, chega dessa música, toquemos uma mais “feliz”, mais fácil de absorver e, de preferência, mais rápida! (Risos de desespero). Cheguemos logo ao fim do texto!

Black Mirror. Season 3 – Episode 1: Nosedive

Dentro do mundo capitalista e consumista, tudo é imediato e isso inclui a tal “felicidade”, que é compulsória. Essa felicidade é constituída de conquistas materiais e status social. Estamos o tempo todo tentando mostrar ao mundo como somos bem sucedidos, capazes e felizes, quando na verdade é a obrigatoriedade contida nisso que nos faz cada vez menos verdadeiramente felizes. Mas a ditadura da felicidade beneficia a quem? Quando está em jogo a felicidade tratada nesse texto, que se baseia apenas nas aparências e em alegrias que se vão rapidamente, dando lugar a vazios imensuráveis, beneficia apenas aos que estão no poder e exploram a todos e a quem vende antidepressivos -risos-, garantindo a manutenção da estrutura social sem reclamações, afinal estão todos “felizes”. Não sei vocês, mas dessas duas formas de dependência eu estou fora.

Prefiro, ao contrário disso, viver o “hoje” de maneira mais profunda, com a compreensão de que mesmo o agora leva tempo para acontecer e de que a satisfação necessita de tempo para ser sentida. Muito mais do que isso, julgo necessário saber profundamente o que é a dor para que se possa saber o que é de fato a satisfação. Felicidade pode ser saber lidar bem com os dois sentimentos. Tristeza, alegria, tudo isso é parte da história que nos forma como seres humanos. A tristeza e a insatisfação podem ser justas em determinadas situações, podendo também ser exatamente o que nos incentiva a superá-las por algo mais feliz e satisfatório. É preciso compreender esses e outros sentimentos nos nossos semelhantes e em nós mesmos, já que são todos parte do movimento do mundo. É preciso tempo, tempo nosso, para a felicidade real.

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