A gente pode um dia explodir (Ilustração Tom Carvalho - www.soulart.org)

Conto: Chloé Pinheiro | Ilustração: Tom Carvalho

De: Você
Para: Mim

Querido terráqueo, sou um ET. Venho de uma galáxia onde podemos nos transformar em tudo. Neste momento eu me transformei nesta mensagem, e através dos seus olhos estou entrando em seu corpo e enfiando o dedo no seu cu. Sei que você está gostando, pois estou vendo o seu sorriso. Por favor, me envie novas pessoas, estou a procura de cus, pois o seu eu já fiz contato… E para de sorrir, as pessoas vão perceber que você está gostando…
Vamos almoçar hoje?

–––

Eu dou risada pra cacete disso. A piada é babaca, mas é boa. E, nessa segunda de merda, começo a digitar o que eu realmente queria te responder.

–––

De: Mim
Para: Você

Sabe, ontem a noite eu esperava o arroz ficar pronto na cozinha de casa (que você, aliás, não conheceu ainda). Enquanto isso não acontecia, eu olhava a lua, meio cheia, na falta do nome das fases, dando umas últimas tragadas no beque e me apoiando no batente da porta da cozinha. Parecia até que a cabeça flutuava pra lá. Chapada, é ainda mais incrível pensar em como pode uma coisa feita de matéria, real, enorme, estar ali pendurada, né? E nem brilha de verdade!

Perdi mais uns minutos e um pouco de sanidade ali e voltei pra cozinha. Pensando, claro, em amanhã. Em como eu ia ter que usar pela milésima vez na semana meu all star branco porque não tenho mais sapatos. E se você ia gostar da minha roupa que, afinal de contas, também é a mesma de todo dia.

O amanhã, é claro, mais cedo ou mais tarde chega. E cá estou eu de novo na firma. Encostada na máquina de café ainda meio sonolenta e torcendo muito pra não te encontrar, quem sabe assim eu evito do meu dia começar a descer ladeira abaixo logo cedo. Deus, esse sabotador, fez você aparecer bem nessa hora. Puto. Me dá oi e eu me sinto na obrigação de puxar assunto e meio preocupada em não dar (mais) bandeira do que já dou normalmente com essa minha falta de traquejo social e filtro.

– Nossa, tô num bode miserável hoje… Dormi muito mal ontem.

– Nem me fala. Ow, ontem eu e a Lê fizemos uma janta animal, você ia curtir.

– Sério? Legal pra vocês, cuidado pra não engordarem.

– Relaxa… Dá pra me descolar um cigarro? Tô sem grana…

– Tudo bem cara, tô tão acostumada com a falta de dinheiro… Olha aqui esse tênis o estado que tá. Só não tá pior do que esse casaco com um furo embaixo do braço, se liga!

– Hahahaha você é foda. Vamos embora junto?

– Vamo!

Durante a conversa, eu olho pra tudo abaixo da linha dos seus olhos pra evitar contato visual demais: sapatos, os bolsos da sua calça ou então simplesmente abaixo a cabeça. Eu faço uma janta bem mais gostosa e barata do que a da Jú. E, por mais que não pareça, eu transo também. Tô morrendo de sono e, já com fome, penso no que eu poderia jantar com você e em como eu nem queria estar travando com você esse papo de Jú, Lê, Aninha ou qualquer que seja o nome dessa piranha. A verdade é que eu me cago de medo dessa coisa que tá se formando e crescendo descontroladamente na minha cabeça.

Mais verdade ainda é que eu tenho medo da gente encostar um no outro e sair faísca. Que essa tensão sexual faça a gente explodir. Tenho tanta coisa pra te dizer e não sei como. Quero te ajudar e te abraçar e dizer que vai ficar tudo bem mesmo a gente sabendo que provavelmente não fique porque nós somos dois fudidos nessa vida.

–––

O Outlook trava e isso só pode ser um sinal divino. Eu respondo com um “Muito engraçadinho, filho da puta. Vamos, dessa vez você paga”.

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