Quanto mais triste mais bonito soa. Em meio à grande porção de forrós que eram tocados nas festas do começo da minha adolescência, essa parte de uma música bem conhecida ficou na minha cabeça. A ideia ainda não despertava pensamentos filosóficos no menino de 13 anos, que ficava de canto porque não sabia dançar.

Mais tarde e ainda ruim de passo, ouvindo aquela canção em qualquer programa de rádio que ressuscita velharias que já foram moda, parte da música, que fala sobre as mazelas da vida, me fez bem mais sentido. Pensei em quanto o sofrimento pode nos comover de maneira que a euforia nunca será capaz de fazer.

Veja Cartola e o seu jeito triste de mostrar um samba escondido nos fossos dos corações cariocas, e que não era exteriorizado porque, talvez, a batucada o inibisse. Ele trouxe, então, seu violão sereno e suas canções sofridas de quem amou demais. Aquele era o sofrimento real de Cartola e que não envolvia só casos de amor, mas sua vida em todas as dimensões. Cartola foi sofrido como Van Gogh em sua loucura absoluta de quem não cabe dentro de si, como Amy Winehouse e seu amor platônico por um “Zé-Ninguém”, e Charles Bradley, com sua bondade frustrada pela era individualista na qual foi obrigado a nascer, entre outros tantos que comovem com sua pena a crimes nunca concebidos.

Se pararmos para analisar o nosso deleite quando nos debruçamos sobre essas obras de almas moribundas talvez nos vejamos como programas e jornais sensacionalistas que usam todo tipo de sofrimento humano para ganho próprio, de forma a arreganhar as entranhas do sofredor – às vezes literalmente.

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Essa necessidade de ver o sofrimento é parte fundamental do que acredito ser a busca pela felicidade, mesmo que isso pareça um paradoxo. Descobrimos ao longo dos anos que, a satisfação consumista e individualista que buscamos a custo de recursos naturais e vidas alheias não é capaz de nos prover uma “alma clara”, como canta Gilberto Gil. Não é essa tal euforia que nos satisfaz plenamente, mas sim a serenidade, um misto de melancolia e otimismo.

Diz o livro do Eclesiastes, capítulo 7, versículo 3, que “melhor a mágoa que o riso, porque a tristeza do rosto torna melhor o coração”. Em um mundo de picos de euforias frequentes, numa terra do faça-o-que-quiser, nos sentimos vazios de significados, de importâncias. Importância essa que só o sofrimento nos é capaz de trazer.

Para alcançar essa serenidade, buscamos a dor principalmente na arte, ou, mais precisamente, no artista. Ordenhamos suas dores expostas nas construções plásticas, musicais, cinematográficas, teatrais e toda forma de manifestação dessa espécie. Esse padecimento nos vem em pílulas, em doses terapêuticas, suficientes apenas para satisfazer nossa sede de melancolia. A dosagem tem que ser exata, menos que isso não se torna genial, mais do que isso se torna um perigo para a sanidade.

Assim como o jornalista sanguinário ou o leitor sedento por desgraças, nós, apreciadores do sofrimento artístico, somos como aves de rapina, esperando que a presa se debruce sobre seus males para que, curvados sobre sua dor, apreciemos nossa refeição. Há quem vá dizer que essa é uma visão pessimista e radical, e pode estar certo. Talvez por essa ser uma época de acontecimentos positivos na vida deste autor, ele esteja aqui, tentando equilibrar a euforia que lhe acomete com um sofrimento inventado, em busca de uma felicidade real.

 

*Aos portões da eternidade, Vincent van Gogh, 1890.

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