Se fosse para iniciar a matéria ao som de alguma música específica, certamente escolheria Little Things da India Arie. Isso porque a leveza dos versos e melodia da música retratam exatamente a essência das fotografias de Fia Doepel.
Aos 21 anos de idade, Fia diz ter descoberto, quase sem querer, sua paixão pela fotografia no final de seus 14 anos. Algo simples, que partiu de um interesse momentâneo, e que permanece em sua vida desde então.
A realidade de Fia, quando apreciamos o seu trabalho, transmite uma paz quase fantasiosa para quem vive em grandes cidades como São Paulo. Cercada de matas, lagos e noites estreladas de tirar o fôlego, Fia enxerga beleza na sutileza do ambiente ao seu redor. O formato da sombra de uma folha no chão, os pés descalços em contato com o colchão, a mão para fora da janela experimentando a chuva, e tudo mais que possa trazer a sensação de extrema gratidão por viver cercada da simplicidade e calmaria das coisas da vida.
Quando vi pela primeira vez seus trabalhos, fiquei hipnotizada pelo poder de transcendência que as fotos traziam. Era como se pudesse experimentar, a cada registro feito, o exato momento que ela experimentava ali, por trás da câmera. A calmaria que emana dos ensaios é capaz de aconchegar corações aflitos, que batem agitados na cidade cinza. Enquanto enlouquecemos ao som de buzinas, carros e sirenes, Fia vive no “país das maravilhas”. Precisamente localizado no sul da Finlândia.
Para entender melhor toda essa vibe, conversamos com Fia Doepel, que nos contou sobre sua história com a fotografia, suas inspirações e sua relação com a arte.
Conte-me sobre seu trabalho. Como e quando você começou?
Fia Doepel: Fui fotógrafa desde o final do meus 14 anos. Acho que só me interessei por fotografia porque sempre fui muito criativa, e fazer arte sempre foi algo que preencheu meu coração. Eu não consigo recordar como e por que eu escolhi a fotografia, acho que apenas comecei. A primeira vez que fotografei em filme foi em agosto de 2008, e desde então apenas continuei a jornada. Eu tive a incrível oportunidade de ter câmeras velhas de filme emprestadas de minha escola, então eu quase sempre tinha uma câmera de filme em casa. Quando a minha câmera digital parou de funcionar em outubro de 2010, eu pedi uma F4 Nikon emprestada da escola e por alguns meses fotografei só em filme. Um amigo meu me deu uma câmera Middle Format Yashica – C, que ele tinha encontrado em um mercado um tempo depois, então fui fotografando com a câmera até que o obturador quebrou. Quando comprei a minha câmera Mamiya comecei a fotografar em meio formato por um pouco mais de dois anos. Já participei de três exposições coletivas e tive duas exposições individuais, a mais recente foi em maio-julho deste ano.
Você trabalha principalmente como fotógrafa, mas transita por outras atividades criativas também? Se sim, quais?
Fia Doepel: Eu pinto muito com aquarelas também. Desde que era garotinha, eu pintei ou fiz algo relacionado à criatividade. Sempre tive a sensação de que se eu não fosse capaz de me expressar através da arte me sentiria um pouco presa. Eu transito um pouco pela música também.
Você é muito pessoal com o seu trabalho. Como se estivesse explorando a essência das coisas que vê. Conte-nos mais sobre isso. Como é o seu processo criativo?
Fia Doepel: A coisa mais importante para manter minha criatividade é a natureza. Sempre que eu dou um passeio na floresta detecto dezenas de coisas que poderia fotografar. Sou uma criança da natureza e vejo coisas, talvez , de um modo “estranho”. Percebo diferentes formas e sombras na superfície de uma árvore, e também sei pelo soar dos pássaros quão longe eles estão. Eu não sou uma garota de cidade. Eu acho que sentiria minhas mãos atadas se vivesse na cidade por muito tempo. Grandes e densas florestas, oceanos, arquipélagos, povo acolhedor, meus entes queridos, boa comida, vida saudável e a ideia de um espírito selvagem são os fatores mais importantes na minha maneira de ser, minha criatividade.
Que lembranças fazem você se sentir viva?
Fia Doepel: Memórias de infância, o primeiro beijo com meu amor e assim por diante.
O que inspira o seu trabalho? Qual é a coisa ou momento específico em que você percebe que precisa fotografar? Fale sobre este momento de escolha.
Fia Doepel: Sou principalmente inspirada e envolvida por tudo. Coisas como a luz refletindo o objeto que eu quero fotografar, o humor de um dia suave ou feliz, o tempo. O que normalmente me atrai são as formas diversas das coisas, e quando se trata de retratos, a forma que as sombras caem sobre o rosto ou corpo das pessoas. E, claro, também a sensação de que determinada pessoa é de grande importância.
Esses lugares maravilhosos que você tira a maioria de suas fotos ficam perto de sua casa?
Fia Doepel: A maioria dos lugares estão localizados à minha volta, mas algumas fotografias são tiradas a milhas e milhas de casa.
Quais são as técnicas que você usa para trabalhar?
Fia Doepel: Eu fotografo em meio formato com uma câmera chamada Prós RB67 Mamoya. Principalmente em preto e branco porque é atemporal e dá à imagem uma sensação especial, madura, geralmente. Eu tenho uma coleção de dois ou três filmes que desenvolvo. O desenvolvimento de um filme e o fazer das cópias funciona como meditação para mim. Especialmente a parte na qual estou na câmara escura. Eu tenho trabalhado na câmara há mais de cinco anos. Minha técnica é bastante simples e eu gostaria de mantê-la assim. Embora quando se trata de fazer cópias, eu consigo gastar alguns minutos para descobrir o tempo que devo manter a fotografia, seja um pouco mais no desenvolvedor ou um pouco menos na correção, para obter os efeitos que eu quero. Depende totalmente, porém, se eu estou limitada em tempo e papel, eu não experimento muito. No início deste ano eu usei documentos de plástico para papéis de fibra, o que foi um grande passo. Os papéis de fibra precisam de muito mais conhecimento e necessitam de cuidado extra com eles porque rasgam facilmente.
Se alguém, sem coragem de fazer o que ama, lhe pedisse orientação, o que você diria?
Fia Doepel: Depende da pessoa que solicita. Eu acho que eu poderia dizer que a mente humana é selvagem e livre, e se alguém quer fazer arte, é só fazê-la sem hesitar.
As pequenas coisas, os pequenos prazeres da vida. Defina-os.
Fia Doepel: Acordar todas as manhãs ao lado da pessoa que você ama, boa comida saudável, chocolate, plantas, um passeio na floresta, nadar em lagos durante o verão. Eu sou do tipo que pode se satisfazer com o mais ínfimo das coisas.
Se você fosse capaz de ter o mundo inteiro ouvindo você agora, o que você diria?
Fia Doepel: Diria ao povo, a raça humana, para parar de machucar nossa mãe terra. Que somos um grande organismo vivo e precisamos trabalhar em conjunto e ter certeza de que cada animal, planta, inseto está vivendo uma vida pacífica e feliz.
A sua lista músicas preferidas.
Fia Doepel: Eu escuto muito John Lennon e os Beatles, The Skatalites, jazz, como Charlie Parker e assim por diante.
Defina arte.
Fia Doepel: A arte é uma daquelas coisas que são um pouco complicadas de definir. O trabalho de um artista é como um espelho para a alma. Artistas criam, todos a seu modo, a sua percepção da realidade e da vida, de modo que os observadores possam ver a forma como ele vê. Como fotógrafa, eu documento as coisas e as pessoas no meu modo de ver. Eles tendem a mediar a minha maneira de ver as coisas para outras pessoas. Eu tento capturar a magia de, por exemplo, as árvores quando eu fotografo uma.
Para acompanhar todos os outros trabalhos de Fia, e para se deliciar um pouco mais com a atualização de seu blog, clique aqui. Lá, além das fotos, você pode acompanhar um pouco do dia a dia da fotógrafa e aliviar a bagagem dos dias na selva de pedra. É também uma boa alternativa, mesmo que por instantes, de vivenciar um pouco mais das experiências e das lindas paisagens finlandesas.
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