SINOPSE: “Treinada desde cedo para ser uma guerreira imbatível, a princesa Diana (Gal Gadot) nunca saiu da paradisíaca ilha onde é reconhecida como princesa das Amazonas. Quando o piloto Steve Trevor (Chris Pine) se acidenta e cai numa praia do local, ela descobre que uma guerra sem precedentes está se espalhando pelo mundo. Atribuindo a Ares, deus da guerra, a razão de todos males, ela decide deixar seu lar. Julgando-se predestinada a derrotá-lo, viaja para Londres e posteriormente para o campo de batalha onde nazistas e ingleses lutam incessantemente, confiante de poder encerrar o conflito: uma luta para acabar com todas as lutas. Neste processo, Diana se envolve com Trevor e tenta compreender a sociedade humana, enquanto vai descobrindo o alcance de seus poderes e sua verdadeira missão na Terra.”
O laço da amazonas: a reinvenção do feminino em Mulher-Maravilha.
Talvez por que dirigido por uma mulher, a diretora Patty Jenkins (de Monster e de episódios da série The Killing, ambos protagonizados por mulheres poderosas), o filme sobre a maior de todas as super-heroínas não tenha resultado num trabalho banal. A série televisiva protagonizada por Lynda Carter, fez imenso sucesso, era uma versão soft que enquadrava Diana Prince ainda como mocinha sexy, mas tão travada quando Clark Kent. Despi-la de sua roupagem setentista e trazê-la para o presente era o grande desafio da diretora que precisava dar um salto de qualidade nas pirotecnias histéricas e tediosas das adaptações recentes da DC Comics, como os decepcionantes Batman vs. Superman e Esquadrão Suicida.
Patty Jenkins veio já se arriscando, pondo como protagonista a desconhecida Gal Gadot, modelo e atriz, ex-miss Israel, cuja experiência cinematográfica era de coadjuvante da franquia testosterona Velozes e Furiosos. Ela já se mostrara adequada como a Mulher-Maravilha em Batman vs. Superman; contudo, é nesta nova produção, na qual ocupa o centro, que veio a dar um passo à frente na saga DC.
Gal Gadot não tem a beleza extensiva e corpo voluptuoso de Lynda Carter, a imagem que se projetou também nos quadrinhos. Mais esguia, ainda assim deslumbrante, ela se preparou para o papel com aulas de Kung Fu, Kickboxing, Capoeira e Jiu-Jitsu, além do treino com espada, para as lutas que são as das mais extraordinárias já vistas nos filmes de heróis. O grande acerto da direção foi investir sem medo no carisma natural da atriz, a quem uma câmera apaixonada não cansa de flagrar em planos médios e super-closes. Gal confere à Mulher-Maravilha um misto de inocência e sedução, ela nunca é mostrada de modo vulgar, o que somente o olhar atento da condução feminina poderia garantir. Aliás, o único nu presente do filme é de um homem (o bonitão Chris Pine), seu par romântico no filme.
Claro que há trama de amor, com aproximações e adiamentos entre a jovem Diana e o soldado espião Steve Trevor. O suspense clichê para o beijo, para o sexo e sua consolidação como casal, tudo isto está lá. O romance, contudo, é pouco enfatizado, já que interessa justamente o estranhamento de Diana, vinda de uma terra onde as mulheres eram todas poder, agora lançada num ocidente onde as mulheres (o filme se passa durante a II Guerra) eram até então consideradas pouco mais do que objetos decorativos; portanto, menosprezadas e submetidas ao controle dos homens. Isso será explorado em várias cenas em que Diana quebra o protocolo ditado pelos homens.
Mulher-Maravilha é um filme para encantar, está lá o “momento uma-linda-mulher” em que Diana vai às compras e desfila diversos “looks” belos mas imprestáveis em termos de conforto e mobilidade para uma guerreira. Aliás, suas habilidades demoram, inteligentemente, a serem exploradas, pois se farão plenas no momento em que ela vai ao campo de batalha lutar para libertar velhos, mulheres e crianças. É um clichê, mas até estes podem render cenas memoráveis quando dirigido com talento. Mais do que a da luta espetacular das Amazonas (ainda na ilha), a passagem pelas trincheiras está toda centrada no domínio de luta da Mulher-Maravilha, na exploração do escudo, da espada, do laço mágico, dos braceletes, da sua própria força e dom de saltar. Interessante perceber como neste, e noutros pontos, os homens presentes no filme lhe servem de escada, “literalmente” de apoio, pois ela surge mitificada como “a Liberdade que guia o povo”, a deusa da vitória a guiar os exércitos.
Uma crítica que se pode fazer ao filme, é a mesma de todos àqueles de heróis. Ao se colocar um vilão potente demais (Diana enfrenta no desfecho o mitológico Deus da Guerra), o final redunda numa profusão de excessos, com explosões e raios enfadonhos, prédios caindo, e resgates no último instante, com desfecho decepcionante, posto que improvável. Inclua neste desfecho um dilema moral (punir a vilã máxima – e fraca – e “ser tão má quanto Ares”), com um sacrifício seguido de uma vitória apoteótica; além da aquisição de um objeto compensatório (a fotografia antiga).
Situada nos anos 40, Diana termina a trama trabalhando no Louvre, já que não pode mais retornar à sua ilha natal. Imortal como deusa que é, ela se converte numa incansável combatente da injustiça e da guerra, sendo prometido nos próximos filmes integrar a Liga da Justiça.
Se os “machos” diretores aprenderem a lição de enfatizarem a personalidade e traços humanos dos personagens (como recentemente feito em Logan), é possível que os filmes de heróis possam significar mais que uma montanha russa de histeria épica de violência estetizada. Mulher-Maravilha é entretenimento inteligente, diverte e encanta, daí o seu sucesso de público e crítica. Que ela contamine as demais produções para se explorar as complexidades dos heróis, investir na trama que tenha uma história a contar e que traga, como plus, uma outra representação, como fez Mulher-Maravilha, sobre o feminino, ampliando o espaço da mulher nos quadrinhos, nos filmes e no mundo.
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