“O instante-já é um pirilampo que acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará em um imediato que absorve o instante presente e torna-o passado.”

Relendo as palavras escritas por Clarice Lispector, confirmei algo que senti ao sair do cinema após ver Dunkirk, 2017, Christian Nolan: o protagonista deste longa-metragem é o tempo. Usando o mesmo artificio que Stanley Kubrick em Nascido para matar, de 1987, o filme consegue mostrar muitas rostos sem mostrar nenhum. Em uma tragédia coletiva, que é a única definição para uma guerra, todos são vítimas. Porque é discutível separarmos entre derrotados e vitoriosos. São eventos que em quase toda a sua totalidade são dignos de uma estupidez de difícil definição.

Christian Nolan realizou um dos mais belos filmes de guerra, sendo que apesar de todo o valor histórico, ele parece usar a segunda grande guerra como pano de fundo para discutir a natureza humana, e principalmente, o tempo. O passar dos anos, dias, horas, minutos e segundos já foram tema central, se você reparar bem, caríssimo webleitor, de dois longas anteriores do diretor inglês: A origem, 2010, e Interestelar, 2014. Realizador detalhista, ele se carateriza por trabalhos bem cuidados, e por imprimir uma marca extremamente autoral dentro da industria do cinema americano. Mérito de poucos.

Em DunkirkNolan realiza um dos filmes mais sensitivos que recordo ter assistido, independente do gênero. O uso do sound design e da trilha sonora são um desbunde. Desde quando tomei conhecimento da antológica abertura de Era uma vez no oeste, 1968, de Sergio Leone, que não me recordo de ver um filme onde a parte sonora caminha em harmonia tão perfeita com as imagens. Digno de Hitchcock.

Levados ao extremo, o filme mostra que diante do desespero, as noções de ética, religião e moral são relativas: “A sobrevivência não conhece a justiça”, diz um dos soldados “sem rosto” de Nolan. Sem mostrar sangue, tripas e vísceras, Dunkirk é ironicamente, “visceral”. Um manifesto anti-belicista, que nos apresenta em sua parte final um novo protagonista: o povo. Palavra esta, que segundo o dicionário é o “conjunto de pessoas que falam a mesma língua, têm costumes e interesses semelhantes, história e tradições comuns. Multidão de pessoas.”

Dentre a avalanche de emoções que o longa-metragem provoca, me recordei das palavras de Howard Zinn:

“O que importa são os incontáveis pequenos atos de pessoas desconhecidas que fundam as bases para os eventos significativos que se tornam história. Foram elas que agiram do passado. São elas que terão que agir no futuro.”

Dunkirk mostra um mundo além dos inevitáveis “som e fúria”. Seu instinto de sobrevivência é tão forte, que se transforma, contra todos os prognósticos, em uma declaração de amor a vida.

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