Quarta-feira não foi só dia de Corinthians na TV, foi mais um dia de lutas em São Paulo. A pauta é nova – a formação de cartel no sistema de trens paulista. Menos pessoas ocuparam as ruas em relação aos últimos atos de junho, como não poderia deixar de ser. Ontem, estima-se que foram 2,5 mil pessoas, mais ou menos o que compareceu ao primeiro ato do MPL contra o aumento da passagem. A ideia é que isso se multiplique nos próximos.
Bandeiras estavam lá, sem o crivo das correntes direitistas para censurá-las. Iam desde as brancas da CTB até as rubro-negras dos movimentos anarquistas. Todas em prol de uma pauta: novamente o Transporte.
A temática da vez é a investigação do Ministério Público, da Polícia Federal e do CADE, que aponta o superfaturamento de R$ 465 milhões, que teriam sido retirados dos cofres do Metrô e da CPTM, em São Paulo, num golpe promovido pelo PSDB nos últimos 20 anos em que esteve à frente do Governo do Estado.
Para quem lida com política, a notícia não é surpreendente. Desde 2008, a oposição ao PSDB cobra uma CPI sobre os serviços prestados pelas empresas privadas que operam metrôs e trens paulistas. O modus operandi do tucanato também não é segredo. O jornalista Amaury Ribeiro Jr. lançou um livro em 2011 com quase 300 páginas, chamado Privataria Tucana, onde expõe todo o desfalque causado pelo PSDB e pelo clube de empresários relacionados a ele contra empresas estatais durante os governos de FHC e a sua era das privatizações, quando Serra era homem forte no Governo Federal.
A novidade sobre as falcatruas do PSDB estão no fato de que, agora, ganham as redes sociais e, sob pressão, as mídias tradicionais. Folha, Estadão, Globo e outros parceiros ideológicos dos tucanos estão colocando os aliados na alça de mira, mesmo a contragosto. Essa parece ser a hora do salve-se quem puder.
As histórias no meio das bandeiras
Enquanto chegava absolutamente perdido à estação Anhangabaú, encontrei dois senhores, meio isolados que arrumavam faixas e bandeiras. Fui perguntar onde estava o ato. Um deles estava a caminho de lá e eu o acompanhei, segurando duas das bandeiras do PCO (Partido da Causa Operária) que ele carregava. Enquanto procurávamos a multidão, perguntava a ele sobre os significados de tudo aquilo. Ele me respondeu: “é a morte da direita”.
Claudio é professor de Biologia da rede estadual em sua cidade, Assis, no interior de São Paulo, há 30 anos, e veio para a capital fortalecer o movimento contra os rombos no transporte paulista. Integrante do PCO, Claudio afirma que o momento é favorável para a esquerda e que a direita está para ser derrotada na política nacional definitivamente, com a iminente morte do PSDB, segundo ele próprio diz.
Sobre o Governo Federal, o professor fala que o PT traiu o movimento dos trabalhadores, mas que não está de fora da luta da esquerda. “É uma esquerda burguesa. Nós temos identificação com os membros marxistas do PT, assim como conversamos com o PSOL e o PSTU.”
Embora denuncie um movimento pelego geral dentro de muitas instituições de esquerda, em especial sindicatos e MST, Claudio reconhece a importância desses órgãos na aglutinação dos operários. Ele diz que já há grandes agitações dentro dessas organizações em prol do rompimento com os ideais burgueses e a troca das lideranças. “A CUT, por exemplo, está toda na mão dos pelegos, mas estamos formando um grupo de oposição muito forte. Não adianta tentar acabar com o grupo. A CUT tem milhões de trabalhadores. Temos que tirar a pelegada de lá, na política ou na porrada”, fala o homem, sem nenhum constrangimento.
Quanto ao MST, o professor também denuncia a ligação das lideranças com os latifundiários e com o empresariado. Segundo ele, um rompimento já está sendo percebido nas camadas populares do movimento. Estão sendo formadas milícias armadas de trabalhadores. “Nós do PCO somos a favor da desmilitarização da Polícia, da extinção dessa Polícia burguesa. Milícias formadas exclusivamente por trabalhadores já estão nos campos, matando latifundiários. Ao longo de toda a história só morreu sem-terra, agora a coisa está mudando de figura”.
Depois de largar Claudio e seus colegas do PCO, fui adentrando o ato. As bandeiras da CTB e da LER-QI (Organização trotskista de extrema-esquerda) caminhavam lado a lado. Por ironia, a LER-QI caminhava à direita. Passei por grupos de anarquistas, com suas caras vendadas e bandeiras escuras, acompanhados por olhos atentos de policiais que cercavam as ruas miúdas próximas ao Pátio do Colégio. O impostômetro estava desligado, claro. Medida sábia.
Um pouco adiante, uma bandeira levantava a lebre do esquema burguês dos cursinhos pré-vestibulares. Augusto César Silva, de 19 anos, era um dos que carregavam o mastro. Estudante da rede Emancipa de cursinhos populares gratuitos, Augusto se locomove todos os dias úteis de São Miguel Paulista até Santana, na Zona Norte, para acompanhar as aulas na sede Salvador Allende do cursinho, localizada no colégio Derville Allegretti. Ele conta que estuda tão longe porque as escolas da Zona Leste se recusaram a receber a iniciativa dos cursinhos populares, organizados, na maioria, por estudantes universitários e professores.
Para que a iniciativa em Santana vingasse, uma das professoras de Augusto teve que organizar um apitaço na frente da escola para forçar a direção a aceitar ceder espaço para o cursinho popular.
Mais do que prepará-lo para quebrar a regra do ensino público universitário voltado para a elite, o cursinho tem dado a Augusto um apetite pelas causas sociais e políticas que ele nunca pôde ver florescer na escola. “Confesso que antes era pouco interessado e meu conhecimento sobre política era mínimo. Agora, estudo sobre e compareço aos protestos”.
De cima de uma estátua de um jesuíta qualquer, na Praça da Sé, já no fim do ato, avistei bandeiras vermelhas com a foice e o martelo. Pensei no PCdoB, de Aldo Rebelo e dos latifundiários, mas me enganei. Era a representação do original Partidão Comunista, criado no Brasil ainda nos anos 1920. Aproximei-me de um de seus membros, Wagner Farias, militante do PCB e funcionário público estadual da pasta da Saúde.
Embora tenha perdido participação nos quase 100 anos de idade, o PCB continua a atuar nas ruas e no cenário eleitoral e a instigar a mudança radical, por meio da conscientização, o que tem sido a sua maior bandeira. “Trabalhamos a longo prazo, na conscientização das pessoas, enquanto fortalecemos pautas e campanhas de agremiações como PSOL, PSTU e PCO.”
O servidor conta que, assim que acabou a ditadura, o partido sofreu uma debandada para a direita, com a formação do PPS, onde hoje atuam Soninha Francine e Ciro Gomes. Os remanescentes se dedicaram a manter o partido vivo e coerente com suas origens. “Estivemos um tempo nas sombras. Agora, os partidos de esquerda, como o nosso, estão ganhando muito espaço. Alguns acreditam que estamos à beira de uma revolução, como o PSTU. Nós do PCB não acreditamos nisso. Cremos que as mudanças definitivas virão em 20 ou 30 anos, enquanto isso, nos preparamos e atuamos nas pautas criadas pela esquerda”.
Sobre a adesão de membros ao partido e a luta para mantê-lo vivo, Wagner explica que foi elaborado todo um processo de recebimento de interessados. “Primeiro, aceitamos a adesão da pessoa na frente popular de lutas. Ela vai conhecendo o partido e vice-versa. Se achar por bem e nós nos identificarmos com seus ideais, a chamamos para militar. Também não são permitidas divisões e reuniões do partido em núcleos. Todas essas restrições são uma forma de mantermos coeso nosso perfil ideológico”, revela Wagner.
Fotos: Mídia Ninja
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