Assisti semana passada com Lucas e Dom, no TUCA. O convite foi de Dom. Thiago Lacerda, gigantesco, faz um Hamlet com paixão. O elenco é um tanto irregular (a Ofélia é péssima; o tio usurpador canastríssimo), e o palco limpo, no essencial; com figurino variado e condução precisa e econômica de Ron Daniels. Tudo transcorre bonito. O texto atualizado funciona bem e é emocionante de se ouvir, além de permitir compreender tudo. Mas, ainda assim, não é um Hamlet inesquecível. Não sei dizer por quê. Talvez falte a todo o restante do elenco o desejo de fazer algo bem feito que Thiago Lacerda claramente transmite. No melhor sentido de entrega e empenho de quem precisa provar-se para além da máscara de galã. O show é dele, global sem pedestal, mas canalizando olhares.
Luta vã essa de ser Hamlet. Ele não existe, será sempre alguém fazendo Hamlet. Assim, o interprete é julgado com a caveira de Yorick na mão e o olhar crítico e impiedoso. Explico: Hamlet (cujo nome é legião, ou seja, William Shakespeare) há muito deixou de ser personagem para ser um porta-voz do ser humano. Pouco interessa as suas peripécias, mas sim a capacidade do ator em nos fazer crer naquelas dúvidas, angústias, indagações filosóficas e na verdade de sua dor. E o que lhe dói? O ciúme da mãe edipianamente convertido em obsessivo amor pelo pai? A vacilação em punir um crime que ele próprio poderia ter cometido? E o que nos mostra? A morte em série dos pais? A ação vingatória de filhos passionais? Uma sequência de loucuras simuladas e sinceras? Um lusco-fusco em que a verdade fica bem além? E como se compõe? De lutas de espadas entremeadas de solilóquios grandiloquentes sobre o não sentido da existência? Seria isso?
Hamlet supera qualquer encenação. Talvez, por isso, sigam tentando e não chegando lá: tudo morre comezinho, quando sua grandeza está em reverberar sempre, em transcender seu silêncio final.
[popup_anything id="11217"]