“Nietzsche acreditava num tempo em que a arte ocuparia o lugar da ciência e da religião…” quando li isso pela primeira vez, fiquei pensando se o autor de O Anticristo, sem saber, não estivesse se referindo a esses nossos tempos de agora. Meus parcos conhecimentos de filosofia me impediram de concluir, mas para um bom caipira que sou, as conclusões não me importam tanto. Aqui na roça, a gente vive mesmo é de sentir. De intuir… Quando alguém da cidade, cheio de instrução e intelectualidade nos desmente, então a gente diz…”Ah, então tá.”
Mas esse moço que nos apresentou Zaratustra estava certo demais. O esgotamento das religiões e de toda a sua politicagem nefasta não nos manipula como antes. Já sabemos que a lepra não é um efeito na carne do apodrecimento da alma, já não nos assusta a apresentação de um Cristo que a própria “palavra” não confirma… Nem Ele quis nos “salvar a qualquer custo”. Antes perguntava: “O que queres?” Muito distante dos religiosos de carteirinha que supõem saber desse universo que habita em cada um de nós… tão lindamente… diferente!
E acertou ainda uma vez mais Nietzsche, ao supor que a ciência não daria conta de tudo. Inegáveis os benefícios, as conquistas… mas infelizmente ela não conseguiu se domar a ela própria. A máxima de que “tudo o que não tem explicação ainda terá” não nos levou a um outro lugar que não à vaidade indissoluta, a um descontrole que cega o próprio pesquisador, incapaz de se ver satisfeito com as próprias descobertas, uma vez que cada lacuna traz ainda mais e mais lacunas.
Eis que surge a arte! Redentora, lembrando-nos de quem somos, do amontoado de dúvidas somos e do oceano de possibilidades que encerramos. Creio no poder da arte para fazer um religioso fanático a se encontrar com sua prepotência em tudo julgar, sem perdão… nem de si mesmo! Creio no poder da arte conduzindo um cientista fanático ao abismo a que só o ego descontrolado pode nos levar… creio nesse tempo em que “A arte ocupará o lugar da ciência e da religião”.
A água do planeta está acabando. Mas não é a antevisão do apocalipse que nos faz pensar em diminuir o tempo debaixo do chuveiro, nem as verdades inconvenientes com seus números aterradores… Mas a fotografia daquele Tietê em que pescava com meu pai, aquele curta, aquela pintura… aquela poesia. Ah, pode mudar… só ela pode fazer mudar: a Arte. O encontro com a Beleza!
Não acredito na força das ações que não advêm do sentir. Por isso, relativizo o poder do cinza sobre o muro. As tintas do grafite pulsam e pulsarão com força mais do que suficiente para voltar. As mãos coloridas do artista têm vida e reflexão! E despertaram mais da vida em nós. A cor ainda está lá… está aqui… comigo!
Quero a companhia dos artistas! Preciso deles. Mas, por Deus, todos precisamos! Que de ninguém é melhor estar quando se toma um bom vinho, em torno da fogueira, queimando tudo… Que não há ninguém melhor para nos ensinar a dizer um libertador “NÃO SEI!” a nos lembrar que podemos reaprender uma verdade pós-iluminista: sinto, logo existo.
Nesses dias em que uns tantos querem me salvar; outros, tudo me explicar, tenho me lembrado muito do “Poema em linha reta” do Pessoa e do “Ponto de mutação” do Kapra (Frejot): Estou farto de super-heróis tão mal acabados que não conseguem salvar sua própria alma da culpa por só saberem julgar; intelectuais e estrategistas perfeitos, incapazes de resolver equações familiares…
Preciso da companhia dos artistas para me embriagar da beleza espalhada no mundo, para dividir os arremedos de Deus pelo mundo: a voz da Bethânia, a linha do Rosa, a dor da Cecília… preciso do artista para me lembrar dos preconceitos que me impedem de ver a voz nos alargadores e nas tatuagens, no funk, no rap… para me fazer reconhecer no que ainda não sei ver, a Beleza que há… como um leigo vai aprendendo a ver Bach no Vila Lobos nosso.
“– Espírito artesão, me socorre e me inspira a querer ser igual a essa gente bonita! Deus da Beleza, me engana se for preciso, mas me faz crer só no que desejo: que posso fazer, que sei tentar, que sou… Arte também.”
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