360, de Fernando Meirelles, é um filme coral, daqueles que saltam de personagem em personagem para mostrar que num plano global o movimento de qualquer vida altera a vida de outra pessoa. Mas isso já tinha sido feito de forma mais significativa e interessante nos filmes do mexicano Alejandro Gonzáles Iãrritu (Amores Perros, 21 gramas, e principalmente em Babel). Aliás, acho que nunca vi ninguém indicar as profunda influência que Amores Perros exerceu sobre o tom, estrutura narrativa e condução do filme Cidade de Deus.
Fernando Meirelles é um diretor competentíssimo no domínio das ferramentas do cinema: lentes, filtros, montagem, traquitanas. Em seu cinema tudo transcorre azeitadinho, com explosões dramáticas no tempo certo, tudo meticulosamente calculado, cada ator posto no lugar certo. Tecnicamente seus filmes são impecáveis e não há como negar sua influência em tudo que se faz hoje no Brasil seja no cinema ou em séries brasileiras, principalmente na representação da violência/do urbana/e das tensões sociais. Tropa de Elite, Filhos do Carnaval, Antônia, Alice, em muito das melhores cenas de Avenida Brasil não existiriam sem Cidade de Deus.
Seu estilo steadycam de filmar (ele tirou a câmera da mão glauberiana e pôs no mecanismo, tirando também ideias da cabeça) foi tão assimilado, que virou uma espécie de cacoete. Talvez isso tenha feito com que qualquer aspecto de “estilo seu” como diretor, passe despercebido ou pareça simplesmente banal; pois linguagem, luz, direção, tudo já foi decodificado e pasteurizado dentro de uma linha de direção estadunidense. E como para Meirelles, “comunicação” e “eficiência” sejam chaves mestras para espantar “o cinema de arte” (que parece lhe soar datado, pretexto para produção e filmes “cabeções e chatos”), o que se atina nos seus filmes é a narrativa, a história em si.
Assim, explicar o enredo de 360, de Fernando Meirelles implica tirar o que ele tem de único ponto de interesse melhor partir para compreensão do todo.
História basicamente de desencontros amorosos (como a dizer que somos iguais em qualquer canto do mundo). Muitos atores bacanas, conhecidos, badalados. Algumas tensões que insinuam uma violência que não se realiza de todo (a não ser com os maus). A pureza/inocência valorizada, isto fica evidente na “história” de três moças: a irmãzinha bondosa/pura da prostituta estreante; na brasileirinha traída pelo namorado fotógrafo que desencantada volta ao Brasil; na assistente de dentista que pretende desmanchar o casamento por amor ao chefe dentista. Sim, estamos na chave do melodrama em que a pureza deve ser recompensada, portanto num filme de embates moral, talvez moralista. Nele a questão fidelidade/traição é o grande ponto, daí o casal interpretado por Jude Law e Raquel Weisz preferir ser infeliz justo para preservar o laço familiar apesar da incomunicabilidade e falta de tesão de ambos. Também o dentista muçulmano abdica aos seus sentimentos/desejos nesta mesma chave, no plano da religião; e mesmo o personagem de Anthony Hopkins teve sua vida destruída, por conta de um caso.
A condução de 360, de Fernando Meirelles parece alheia a todas essas questões, dirige a trama sem ênfase, deixa brotar alguma ternura (apoiando-se em canções, até o Paulinho da Viola) e com alguma paixão pelas paisagens de Viena, Londres, Paris etc. Afasta o derramamento melodramático atenuando-o, mas mesmo assim 360 não escapa de ser um filme sobre culpa. Isto por que sexo será sempre o problema, e no filme contê-lo é fundamental para que não haja morte/punição, como no caso do maníaco/taradinho do aeroporto, do fotógrafo oportunista, do empresário que termina chantageado por causa da prostituta, daquele pai que perde a filha por ter tido um caso. Acho que tudo isso é o que ficou de A ronda, romance de Arthur Schnitzler no qual o filme se baseia, já que esta é uma questão que o autor freudiano usava como base na elaboração de suas criações, ainda que numa chave anos luz mais complexa.
Em 360, de Fernando Meirelles o que une é a culpa, a prostituta se dar bem no final parece intervenção divina (pela pureza da irmã), quando não mera sorte/acaso. Não digo que o filme será um panfletão moralista, não é só, mas reduz as relações humanas a conexões sentimentais um tanto banais e, pelo menos a mim, parece desnecessário correr o mundo e mobilizar um elenco tão talentoso para fazer um filme sem grandeza, desvitalizado, e vamos lá: caretíssimo. Será culpa minha achar que a vida ser mais?
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