Fundado por Eduardo Bustamante e apadrinhado pelo rapper GOG, o Coletivo PESO (Periferia Soberana) é um movimento nascido no extremo leste paulistano que tem como objetivo a ascensão e fortalecimento da periferia e de seus moradores. Com a participação colaborativa de profissionais liberais, artistas, militantes sociais e estudiosos, o PESO dedica-se à criação de oportunidades para homens e mulheres esquecidos pelo governo e pelas elites.
Junto com o rapper Dexter e o Instituto Crescer, o Coletivo PESO é responsável pela iniciativa “Como Vai Seu Mundo?“, que trabalha pela a reeducação social e política de pessoas que se encontram em situação de cárcere, tendo como base a Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos (SP).
Indicado este ano por Rael da Rima ao Prêmio Trip Transformadores, o trabalho desenvolvido pelo coletivo na penitenciária propõe formas de interação educomunicativas, como oficinas de jornalismo, fotografia, arte e debates, conduzidos pelos voluntários engajados no projeto.
“Você é do tamanho do seu sonho amigo. Grades de ferro, chão de concreto. Na prisão tudo é quadrado do piso até o teto”
Analisando as palavras do Dexter em “Como Vai Seu Mundo?” – música que dá nome do projeto – e em tantos outros raps que trataram do tema, é possível saber que a dura realidade do cárcere traz uma tristeza que só conhece quem já viveu tal situação. Entretanto, como sugere o conceito de Exilado sim, Preso não, do próprio Dexter, a privação de liberdade não é uma exclusividade de quem está preso. A falta de cultura, de educação e de perspectivas constituem amarras tão sólidas quanto barras de ferro e muros de concreto, e são esses os obstáculos combatidos pelo Coletivo PESO. O próprio Dexter é um grande exemplo do quanto um homem exilado pode crescer e produzir, e ainda servir de inspiração para muita gente.
A SOUL ART teve a oportunidade de conversar com o Eduardo (gerente de projetos, educomunicador e fundador do Coletivo Peso) e conhecer as ideias e a história por trás da iniciativa.
Eduardo, quando e como surgiu a ideia de criar o coletivo?
A ideia do coletivo é antiga, carrego comigo desde pivete enquanto crescia indignado ao ver o quanto sempre somos submissos e subordinados a tudo. Não decidimos por nós! Sempre temos alguém nos dizendo o que ser ou fazer. Padrões, patrões… Com o tempo comecei a estudar arte e a me libertar. Passei a sentir prazer ao estudar, fugindo um pouco da réplica que todos já faziam. A realidade dura de uma vida simples e difícil na infância, agregou sentimentos que contribuíram para eu acreditar na militância por transformação.
No final da adolescência comecei a participar de um movimento estudantil, que me fez conhecer pessoas, grupos, movimentos, partidos políticos, enfim, pessoas que influenciam a política do nosso país. Entretanto, eu não segui a carreira. Após essa fase, continuei buscando pessoas que, como eu, acreditassem na transformação. Passei então a atuar na área de educação, onde concretizei um ideal de mudança, percebendo que só teria outra realidade a partir da intervenção libertadora na educação do povo.
Em abril de 2009, com a orientação e apoio do rapper GOG, grande amigo e irmão, o coletivo foi fundado em uma reunião que fizemos no Jardim Pantanal, extremo leste da capital paulista. Buscamos concretizar ações de forma organizada atenuando as discrepâncias sociais deste modelo social em que vivemos.
O Coletivo Peso tem como proposta principal a busca pela soberania da periferia, como descrito no próprio nome. O que a colocação da palavra “soberania” significa em relação às iniciativas?
Soberania é uma palavra utilizada de uma forma muito equivocada na nossa língua. A clareza do real sentido dela surgiu após ler o livro “Contrato Social” de Rousseau. Com ele entendemos que soberania é exatamente o que queremos ser, o que acreditamos e o que desejamos, ou seja, “ser o que nós desejamos ser, e não o que os outros desejam que sejamos”.
A palavra “soberania” nos serve de essência para todos trabalhos, para romper com ideias imperialistas e opressoras, instigando cenários mais propícios à participação e à transformação, de forma politizada, com bom senso e agarrado aos princípios de um mundo melhor. Resumidamente, soberania significa ensinar para todos e todas como interpretar, introduzir e disseminar informação.
“Utilizamos a apropriação dos meios de comunicação e o desenvolvimento de ações que possam facilmente ser multiplicadas”. Esta frase parece resumir o trabalho do coletivo. Nos fale mais sobre isso.
Atualmente é fato que o controle das tecnologias de comunicação está centralizado nas mãos de pouca gente, ou melhor, de “famílias”: os Marinho, Saad, Civita, etc… Somente eles podem usá-las de acordo aos interesses pessoais, estabelecendo um trânsito de informações centradas apenas em seus pensamentos e desejos. A ideia do coletivo é fazer com que tais tecnologias sejam efetivamente democratizadas, que cada vez mais pessoas possam usar desses recursos para se articular, se comunicar e transformar a realidade onde vivem. Se apropriar dos ecossistemas nos quais sempre foram meros expectadores.
Tecnologias Sociais são simplesmente métodos de se trabalhar pelo social. Após uma tecnologia social ser criada, executada e sistematizada, ela pode ser replicada em outros lugares, por outras pessoas e grupos. E é isso que buscamos desenvolver.
Explique melhor a trajetória do Coletivo Peso junto aos rappers GOG e Dexter.
Eles são nossos aliados conselheiros. Minha relação pessoal com os dois é muito estreita, sou padrinho do Dexter e o GOG é cofundador do Coletivo PESO.
Em 2009 e 2010 tivemos uma parceria mais forte, atuando na produção dos shows, assessorando o contato com a grande mídia, tão mal intencionada. Em 2010 criei com o Dexter o Projeto “Como Vai seu Mundo?”, o que fez que continuássemos profissionalmente ligados até dezembro de 2012.
Nos fale mais sobre o projeto “Como Vai Seu Mundo?”, a forma como ele funciona e o propósito das atividades envolvidas.
Criado por mim e pelo Dexter em 2010, a pedido de um Juiz que era o corregedor da Comarca de Guarulhos na época , o Projeto CVSM é uma proposta de política pública para a ressocialização efetiva de cidadãos que cumprem pena nos estabelecimentos carcerários do Brasil. O Dexter ainda cumpria pena na unidade e como eu cuidava de grande parte dos seus negócios e tinha uma vasta experiência com projetos, juntei-me a ele neste desafio. Começamos a executar o projeto em janeiro de 2011.
No começo eram somente oficinas de Hip-Hop, e os oficineiros e palestrantes eram pessoas que também tinham uma história de vida de dificuldade e superação. Após a liberdade do Dexter e o término da primeira edição semestral, fomos experimentando um trabalho mais coletivo, envolvendo pessoas da sociedade, independente de nível social. Passamos a levar para o projeto pessoas que tinham sede de mudar o mundo. Foi aí que tudo tomou corpo.
Toda semana levávamos alguém pra promover uma atividade de reflexão e proposição. Essas atividades eram das mais variadas possíveis, mas sempre envolvendo arte, comunicação e política. Por lá passaram nomes como Edi Rock e KL Jay, João Pedro Stédile (Lider do MST), Mano Brown, Diogo Todé (Artista Plástico de Recife), Nelson Maca e muitos outros que fizeram desta proposta uma ação coletiva pioneira.
Então podemos dizer que a arte tem forte peso nesta iniciativa? Você atribuiria à arte a força na reeducação social daqueles que se beneficiam com o projeto?
A arte é sem duvida uma das formas mais sábias de expressão e transformação que existem. Ela é capaz de transformar e expandir o campo de visão de qualquer pessoa. Torna tudo mais forte e sensível, na forma como recebe e se transmite informação. A arte sem dúvida é um dos grandes pilares do projeto. Sendo assim, grandes estrelas do cenário do Rap e da nossa música, que participam do projeto, têm o papel de agregar e trocar com os reeducandos essa forma mais ampla de ver e de falar com o mundo, e isso com certeza faz diferença na hora que os meninos voltam pra rua, uma vez que estão dotados de novas formas de falar, sentir e pensar. Uma das formas de controle sobre o povo é mantê-lo sem acesso à arte. A arte liberta, e é a chave que abre qualquer tranca.
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Se quiser conhecer ou colaborar de alguma forma com os projetos, entre em contato com o Coletivo PESO. Nas páginas da internet são disponibilizados alguns vídeos e textos com um pouco do trabalho que eles realizam:
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