Os mortos estão de volta. The Walking Dead estreou há uns dias sua 2a. temporada nos EUA (o que não significa nada para quem usa Torrent), e já tem garantida uma terceira. Veio, literalmente, enterrar a saudade de Lost, do qual todos ficamos um tanto órfãos. Série baseada em quadrinhos, sobre um mundo dominado por mortos-vivos gerados por um vírus letal. Mundo pós-apocalíptico, fazendo coro a vários filmes que seguem destruindo o mundo e convertendo essa gente humana em predadores sanguinários, seja para amedrontar ou fazer rir. Poderia listar uma sequencia de filmes com a mesma lógica, mas alguém iria me dizer que no filme do Will Smith aquilo não eram zumbis. Acho mera diferença técnica.

Zumbis se prestaram para um número enorme de metáforas: do pavor ao comunismo, passando pelos movimentos negros (as violentas manifestações nos guetos do Bronx), crítica à febre de consumo à chegada do vírus da Aids. E é isto me interessa, a que sensibilidade fala – ao inconsciente coletivo do mundo – a febre de zumbis e vampiros.
Gosto de pensar. Toda matéria artística (sim, é entretenimento, é televisão, é consumo, mas é arte também) que reverbera, constrói-se sobre certa sensibilidade que é reflexo imediato de seu tempo, da sociedade, etc. Vamos ao que interessa.
VAMPIROS
Não precisa ser muito inteligente para entender que o fenômeno vampiresco, em diversos filmes, seriados etc, deve-se ao papel central que tem o JOVEM/ADOLESCENTE (mesmo aos 40 anos) nos dias atuais. O universo jovem determina quais músicas passarão no rádio, qual filme dará bilheteria no cinema, qual arte (interativa: jovens odeiam passividade) será dada à exposição. Por isso quadrinhos, games, heróis, bruxinhos, material adolescente infantil ocupam todas as esferas da comunicação, de televisão à televisão, dominando bilheterias, determinando audiência, merchandising e produtos.

Neste contexto de horror e morte, todos aspiram a ser Vampiros, pois esses já estão para além da morte, a venceram. Ocupam um outro patamar, sem dependência de Deus/deuses, sem moral a seguir e sem culpa. Além disso, vampiros apresentam uma sexualidade latente, por vezes incontrolável. Nosso inconsciente cruel, precisa contudo botar freio mesmo em nossos desejos de eternidade e autonomia. Tal energia, por isso mesmo, deve ser contida, enterrada, represada, castrada com decapitação ou com estacas fálicas, direto no coração, onde pulsa energia, desejo, amor. Vampiros são eternos, mas imaturos, insatisfeitos e insaciáveis; acumulam e ressaltam sempre as “deficiências emocionais” humanas. A primeira coisa a abdicar é a alma, o espírito, a consciência moral – a transcendência, que para além do carnal, converteria individualismo em totalidade (Deus). Por isso também, vampiros são falhos, devem ser perecíveis, sujeitos a uma lei implacável que impõe ordem, que cobra com violência e sangue a ambição de ser algo próximo dos deuses. Já lobisomens não são tão diferentes, talvez mais animalizados e eróticos. Poderíamos ir mais fundo, mas isso aqui é internet, passemos ao próximo.
ZUMBIS OU ZUMBIES
Zumbis respondem ao mesmo princípio simbólico, refletem o horror à decrepitude, à falência do corpo, à paranoia em relação às doenças. Ou seja, ambos mostram que o HORROR está na perspectiva da MORTE, na consciência de que somos perecíveis, e que caminhamos para um fim. Isto por que vivemos numa época em que velhos, doentes e mortos precisam ser confinados, causam repulsa e aversão, pois nos lembram o destino fatal do que é humano e vive. Hoje, a boa morte é asséptica, faz-se em asilos, clínicas, hospitais; e são sempre tidas como fatalidades, não um destino natural. Por isso os mortos não são mais velados, chorados por uma família inteira reunida, na presença da criança. O cadáver sai do leito hospitalar direto para o necrotério, depois de um velório cronometrado pelo “Plano Funerário”, hoje mais imprescindível do que Seguro de Saúde e de Furto. Já não se faz velar, nem missa, nem se se cobre de preto a gente familiar em choro convulso. Já não pega bem. Tudo é visto como um fato vergonhoso, constrangedor; manifestações sentimentais são vistas com tolerância ou cinismo. Posteriormente, a dor é calada à antidepressivos, e a memória do morto enterrada ou cremada com ele.
Zumbis são o corpo sem transcendência, sem alma. É a morte que precisa ser abatida justamente na cabeça, suprimindo o pensar/pesar. Há claramente algo de negação nos atos violentos contra os mortos, sempre uma ameaça, famintos também de nossas cabeças. Como num video-game, matar torna-se divertido, e num filme de zumbi justifica-se pois o ato de violência é um ato de sobrevivência. É um novo Darwinismo, um nova forma de perversão.

No final, claro, sobre o drama sobressai o grotesco, a violência escamoteada e que os jogos eletrônicos nos anestesiaram a percepção, e já não o vemos. E rimos. Uma série que nos ajuda a esquecer que todos nós sim, somos um tanto zumbis diante da televisão.
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