Após mais de seis meses em cartaz por todo o Brasil, O Som ao Redor continua a ecoar. “Vejo agora, nas manifestações de junho, a tempestade que o clima inquieto de O Som ao Redor revelava”, afirmou Waldemar José Solha, um dos atores do filme, no facebook. Sim, obras de arte podem ser proféticas.
É um filme diferente. Passa longe das comédias nacionais que costumam lotar salas de cinema, porém, mesmo com estrutura e temática mais densas, continua a atrair público. Em relação à crítica, foi agraciado no Brasil e no exterior (incluído na lista dos 10 melhores do ano do jornal The New York Times, ao lado de produções como Django Livre de Quentin Tarantino e Lincoln de Steven Spielberg). Com linguagem realista, o diretor Kleber Mendonça Filho despertou diferentes emoções ao retratar fielmente a realidade contemporânea nacional – e deu um pouco de frescor à produção cultural brasileira.
É fácil sentir desconforto quando um espelho é posto na cara sociedade, onde toda sua fragilidade, taras e manias mais íntimas são expostas. O trunfo da obra é o convite à reflexão que vez ou outra aparece nas telas brasileiras e costuma fixar-se na memória.
Tudo começa quando o aparelho de som do carro de Sofia (Irma Brown) é roubado em frente ao prédio de João (Gustavo Jahn), onde ela passou a noite. Uma porta de entrada para o cotidiano de famílias num bairro de classe média de Recife, mas que poderia ser em qualquer outra metrópole brasileira: Seu Francisco (W. J. Solha), avô de João, é proprietário da maioria dos imóveis da região e assim protege todos os familiares. Por outro lado, trata seus empregados numa espécie de escravidão moderna.
Uma mãe de classe média fuma maconha e se masturba enquanto os filhos estão na aula de inglês, numa rotina torpe e reacionária. Um grupo de seguranças se oferece para fazer a proteção da rua. Eles não se intimidam com o “poder” dos moradores do bairro. A tensão é sentida a cada cena, embora isto se dê de maneira implícita. É decorrência da falta de segurança nas ruas, inclusive o medo da ascensão das classes populares. Tudo expresso com naturalidade, exceto por quadros pontuais que recebem tom espetacular, o que intensifica ainda mais a sofisticação do filme – a água da queda de uma cachoeira, por exemplo, momentaneamente ganha coloração vermelha. Uma metáfora ao sangue que mais tarde iria escorrer.
Não é de hoje que críticos cinematográficos, como Kleber Mendonça, inovam na maneira de fazer cinema. Desde a Nouvelle Vague, movimento de renovação do cinema francês da década de 1960, críticos ambicionam maneiras alternativas aos filmes produzidos por seus contemporâneos. Um exemplo nacional é Terra em Transe, filme de 1967 dirigido por Glauber Rocha. Além de cineasta, ele foi um crítico de cinema baiano. Como no filme de Kleber, nesse é oferecido um retrato de sua época, com a poética característica de Glauber. Em Terra em Transe é feita uma referência ao início da ditadura militar e suas implicações na sociedade brasileira. Questões como a situação da classe média também são exploradas com acidez.
Em tempo, O Som ao Redor é outra produção que reflete sua época. A tensão do filme sugere que algo esta prestes a acontecer. E de fato ocorreu. Provocadora, a obra do diretor pernambucano oferece ao público a ideia de que, além de ir ao cinema ver denúncias de injustiça social, o povo brasileiro pode ir às ruas lutar por mudanças.
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