Todo mundo tem um filme da Sessão da Tarde preferido. Todo mundo já se deparou com alguma situação na vida e a comparou com alguma cena desses clássicos. Ou pelo menos já fingiu ter uma dor de barriga para faltar na escola e passar o dia na frente na TV se deliciando com essas aventuras. E foi pensando nesses filmes que o musicista e idealizador da gravadora Transfusão Noise Rercords, Lê Almeida, criou, junto com o ilustrador Fabio Lyra a HQ Marlindo, uma história sobre um cara comum de 22 anos que trabalha num supermercado e as pessoas que fazem parte do seu cotidiano. Por enquanto é isso. Quer dizer… A HQ não foi lançada, mas ela virá em breve em formato de zine, via xerox.
Mas como não podia ser de outra maneira, nesse trabalho, feito por dois caras que estão envolvidos com música até o pescoço, temos muitas referências dessa arte, tanto que a Transfusão lançou uma compilação de músicas inéditas que narram a história: Marlindo – Trilha sonora abstrata para acompanhamento de juvenices, com bandas da própria gravadora do Lê. No site da Transfusão é possível baixar a compila, que vem acompanhada de uma sinopse da HQ:
Achei inusitada a ideia de uma HQ com trilha sonora, que pode ser ouvida em diferentes formatos: K7, CD, e MP3. Quis saber mais sobre essa parceria do Lê e do Fabio, como eles chegaram nesse projeto e suas referências para compô-lo. Falei com eles por e-mail e eles contaram pra gente como se conheceram, como surgiu a ideia da HQ e ainda sobre a cena musical independente carioca e sobre a onda de bons lançamentos no universo dos quadrinhos.
• Como vocês se conheceram e quando tiveram a ideia de fazer a HQ?
Lê Almeida: Na real eu não lembro muito bem de como conheci o Fábio, mas a gente sempre se esbarrava nos roques aqui pelo Rio e eu sempre curti as coisas dele na Mosh mesmo sem saber que era ele quem fazia, acho que uma hora ou outra iríamos fazer algo juntos.
A ideia da HQ foi consequentemente a compilação, pois eu já vinha juntando as faixas inéditas com o intuito de fazer uma compilação especial que fosse trilha de algo (no inicio seria a trilha de um filme abstrato), daí passei a ideia pro Fabio quando o disco já estava tipo uns 70% pronto, eu já tinha os personagens na cabeça e vinha pensando em um começo de história, juntando isso com a genialidade do Fábio a coisa fluiu muito na boa!
Fabio Lyra: Descobri as músicas do Lê há um bom tempo. Achei o som dele muito foda e desde então me tornei um entusiasmado admirador não só de suas músicas como também de todos aqueles projetos da Transfusão Noise Records. Levando-se em conta o tamanho desse meio independente aqui do Rio, não demorou muito e fui apresentado a ele pessoalmente. A ideia de fazer a HQ foi do Lê, que me convidou para participar do projeto quando esbarrei com ele em um show. Achei genial e na hora vi que tinha muito haver com o tipo de quadrinho que faço, então topei sem pensar duas vezes.
• Falem um pouco sobre como chegaram ao tema, como desenvolveram os personagens. E quais as referências que vocês usaram para o conceito da HQ, o que inspirou vocês?
Lê Almeida: Eu comecei a inventar os personagens meio que inspirado em uns filmes que curto muito como O Balconista, Sem Licença Para Dirigir e outras nessa linha, porém teve muito a influência de uns amigos também, coisas que a gente acaba vivendo e que até parece algo tirado de filme. Na sinopse da HQ tem muito da turma da Transfusão. O Fábio ajudou bastante a dar forma visual a isso e também definiu toda a estética da coisa
Fabio Lyra: Todo o universo Marlindo saiu da cabeça do Lê. Quando começamos a trabalhar na HQ ele já tinha pronto uma descrição de todos os personagens e, nessa etapa, a minha função foi a de materializá-los no papel. Em alguns casos os personagens vinham com algumas características físicas levemente definidas e em outros só uma descrição da personalidade. Já a parte do roteiro nós estamos desenvolvendo juntos a quatro mãos.
As principais fontes de inspiração pra gente foram filmes como O Balconista, Adventureland, Sem Licença Para Dirigir e, da minha parte, o vídeo da música Get Me do Dinosaur Jr. tem me inspirado bastante. Em resumo, filmes sobre gente meio perdida na vida.
• Li no site da Transfusão que alguns clássicos da Sessão da Tarde, como Sem Licença para Dirigir e A Vingança dos Nerds seriam aventurar ideais para uma trilha de “noise roque”. A HQ fala de uma cara comum, o Marlindo, que trabalha num supermercado e tal.. a história também tem alguma influência desses filmes?
Lê Almeida: Com certeza, como falei ai em cima a HQ é uma junção das nossas lembranças e influências desses filmes com as coisas que vivemos de forma confusa.
Fabio Lyra: Sim, para todos os efeitos Marlindo é o nosso filme clássico de sessão da tarde sobre jovens sem perspectiva.
• Eu nunca vi uma HQ que vem acompanhada de trilha sonora. Curti muito a proposta. Como foi a seleção das bandas e das músicas?
Lê Almeida: A trilha veio antes da HQ de fato, então as faixas e as bandas já estavam selecionadas. A idéia básica era ter uma nova compila só com inéditas da Transfusão com bandas da gravadora e no meio desse processo que foi nascendo a ideia da HQ, mas o nome Marlindo eu já tinha desde o inicio.
Fabio Lyra: Não posso falar sobre a seleção das músicas, já que isso ficou a cargo do Lê, mas posso dizer que essa é uma das melhores coletâneas que já escutei e tem me influenciado bastante na criação dessas aventuras do Marlindo.
Por que vocês lançaram primeiro a compilação antes da HQ? Estou ansiosa pra ver o resultado final.
Lê Almeida: Acho que foi naturalmente, pois como a gente já tinha quase que boa parte do disco pronto durante o processo de desenvolvimento dos personagens, não faria muito sentido ficar guardando o disco até toda a HQ ficar pronta e seria algo bem instigante pra pessoas lerem a sinopse e conhecerem os personagens
Fabio Lyra: Por um motivo bem simples, quando o Lê me convidou para fazer a HQ a compilação já estava praticamente pronta, faltando apenas algumas faixas e até com uma data de lançamento. Ficaria impossível lançar a HQ junto com o CD, por isso decidimos subverter a ordem das coisas e lançá-la depois.
• Vocês lançaram a compilação em MP3 gratuito, CD e fita cassete. A HQ será lançada no formato de zine xerocado, né? Por que essa escolha por meios analógicos? Falem um pouco disso.
Lê Almeida: Na Transfusão tudo que a gente lança (ou pelo menos quase tudo) também sai em formato fisico (CD/vinil), porém sempre optamos por algo que não fosse tão mecanizado, coisa de pessoa pra pessoa mesmo. Os CDs da Transfusão são todos em formatos envelopes e a gente sempre curtiu a vibe xerox, então nada mais natural que lançar a HQ via zine xerocado, acho que quem curte de coração sempre vai querer ter em mãos, né.
• Lê, queria que você, como idealista da Transfusão, falasse um pouco da cena independente carioca, o catálogo de bandas da gravadora é bem extenso, você poderia falar nas suas apostas e como anda a cena independente carioca?
Lê Almeida: Na Transfusão a gente tá numa fase muito boa de ótimas bandas, tanto do Rio quanto de fora, daqui destaco a Trash No Star, A Cidade de Duque de Caxias, Cretina, Suite Parque, Fujimo, The John Candy, Babe Florida e um monte de outras dos amigos. A cena em relação a shows sempre foi meio tosca e continua sendo, porém as festas mais doidas e escondidas do grande público são sempre as melhores. A gente vem tentando manter um Happening da Transfusão e tem rolado num ritmo aceitável.
De qualquer forma, o grande escapismo sempre vai ser as gravações caseiras, foi dai que nasceu a Transfusão.
• Fábio, hoje os quadrinhos estão num momento de ascensão, tem muita coisa boa sendo lançada. O que você acha dessa atenção que estão dando para esses artistas?
Pois é, estamos vivendo um momento único nos quadrinhos em que há uma retomada da produção nacional com obras diversificadas e de qualidade. Acho que parte dessa atenção se deve a descoberta de um quadrinho autoral, voltado para um publico mais maduro. As pessoas estão descobrindo que podem encontrar HQs com histórias com as quais possam se identificar e com temáticas que digam algo a elas.
• Eu vejo muita influência musical no seu trabalho você pode falar um pouco sobre suas referências?
Sem dúvida a música tem um papel atuante no meu trabalho. Além de me influenciar e ditar o ritmo da narrativa dos meus quadrinhos, ela também serve de fonte de inspiração. Só consigo criar se estiver com o som ligado e sempre recorro a algum álbum ou canção quando estou sem ideias.
• E a pergunta que não quer calar. A HQ do Marlindo tem previsão de lançamento?
Lê Almeida: Nem tem uma previsão certa, mas a gente já tem boa parte da história pré definida.
Fabio Lyra: Por enquanto não. Ainda estamos trabalhando no roteiro.
A tracklist é essa aqui embaixo:
1. Suite Parque – Longe do Fim
2. Top Surprise – Ready for the haze
3. Fujimo – Júpiter
4. Wallace Costa – Sympathy
5. Tape Rec – Yo Frat
6. Hierofante Púrpura – Jazzinho
7. Loomer – Not So Wrong
8. Trash No Star – Single Ladies
9. Aroflogilo Pai – Canção da Fraternidade
10. Medialunas – Memorabilia
11. Babe Florida – Monstros
12. Cretina – L’Amore
13. Looking For Jenny – Inside your Head
14. Badhoneys – Never Knew
15. Lê Almeida – Estranho Bairro
16. The John Candy – Astrology Is A Trap
17. Carpete Florido – Seu Silêncio
18. Treli Feli Repi – Kill The RIPsters
Baixe aqui.
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