Em um tempo em que os novos formatos de filmes com grande bilheteria são adaptações estrondosas dos best sellers americanos, é raro se deparar com algum que se mantenha fiel à obra escrita e inove na forma de recontar uma história.

Steven Spielberg em meados da década de 80 era conhecido como o queridinho dos estúdios hollywoodianos, inovador na arte dos efeitos especiais e diretor de filmes para o grande público. Por trás do agonizante Tubarão (1975), do sucesso de E.T. O extraterrestre (1982) e do aventureiro Indiana Jones no Templo da Perdição (1984), esse mesmo diretor já provou que consegue dirigir um filme em menos de 15 dias, como Encurralado (1971), e dessa forma, o desafio de produzir um filme que expressasse com sinceridade e profundidade uma história sobre sentimentos humanos não seria algo além de suas capacidades.

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Em 1985, foi a vez de A Cor Púrpura (The Color Purple), baseado no livro vencedor do Prêmio Pulitzer de Alice Walker, que conta a triste história de Celie, que além de mulher, era “preta, pobre e feia”. Um desafio para a carreira em ascensão do diretor, mas que enfatizou o modo Spielberg de ver o mundo e criar sem fronteiras.

Tanto o livro quanto o filme não são de fácil digestão, retratam o início do século XX num preconceituoso Estados Unidos, em que a figura da mulher era a da reprodutora, serviçal do lar e submissa ao homem. A impecável atuação de Whoopi Goldberg no papel da infeliz Celie projeta uma identificação instantânea até nos corações mais duros. Ela escreve para Deus contando a agonia da perda de seus filhos, da exploração do padrasto, da separação da irmã amada e do terror da vida conjugal com o detestável Sinhô Danny Glover. Mas um filme sobre o qual se imagina que será um intenso relato sobre o sofrimento, se revela completamente o oposto, pois fala de superação, esperança e amor.

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O filme é baseado no livro de uma feminista, por isso é evidente a importância da figura da mulher. Três sisters compõem a trama central, uma irreconhecível Oprah Winfrey, no papel da teimosa Sofia, que se revela um tipo de mulher completamente oposta de Celie. Uma mulher que não aceita submissão e que deseja ser dona do seu nariz, uma mãe afetuosa que não tem medo do marido e nem de ninguém. A deliciosa Shug Avery, protagonizada por Margaret Avery, torna-se o alterego de Celie: ela é sexy, linda, independente, dona de si e, sobretudo, não tem medo de se mostrar – é de arrepiar quando canta o bom e velho blues. Três personagens completamente opostas, mas que se complementam na crença e na luta por uma vida melhor e mais igualitária.

A Cor Púrpura é um filme atual, de cores intensas, personagens tocantes e atuações reais, um filme para ver e rever. Marcou os anos 80 sem levar, porém, nenhum prêmio da Academia – um Spielberg liberto das massas hollywoodianas. Na trajetória dessas mulheres negras, uma história dura e adulta faz com que nos apaixonemos a cada cena pela doce Celie, que cresce como mulher e como pessoa a cada quadro, numa boa adaptação cinematográfica do livro que conquistou tanto leitores como espectadores.

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