Do Cangaíba para os muros de toda a capital:
‘Jhonny Lucas’ usa a arte como meio alternativo de educação para crianças da periferia de São Paulo
Hoje a SOUL ART aterrissa na saudosa zona leste para trocar uma ideia com um artista de grande alma e grande coração. Jhonny Lucas é grafiteiro desde sempre, mora no bairro Cangaíba, é gente boa e se divide entre a Phoenix Designer, negócio próprio de grafitti comercial, e o coletivo Sementeira da Arte, que leva e organiza oficinas de pintura nas escolas da região.
Recentemente o artista chamou atenção por conta de um mural em que pintou o rosto de 9 ícones da música brasileira, entre eles Cazuza, Tim Maia e Elis Regina. Confira a ideia que trocamos e saiba mais sobre esse trabalho.
SOUL ART – Como começou no grafitti?
JHONNY – O meu envolvimento com o grafitti aconteceu naturalmente. Desenhava desde pequeno. Minha mãe foi chamada várias vezes na escola porque eu não fazia nada além de desenhar. Os moleques do bairro já grafitavam e eu acabei me influenciando. Depois disso eu e mais três amigos montamos uma crew. Nessa época um ficava na casa do outro trocando letra, inventando e foi assim que a gente se desenvolveu. Depois eu continuei a trabalhar com um dos moleques, o Rodrigo. Trabalhamos juntos com grafitti comercial por dois anos, mas não deu certo e cada um seguiu seu caminho. Eu criei a Phoenix Designer para continuar com o grafitti comercial, o Rodrigo criou a empresa dele, mas, até hoje, quando aparece um job muito grande, eu convido ele para participar e vice e versa, porque confiamos um no trabalho do outro.
SOUL ART – Como surgiu a ideia de criar o coletivo Sementeira da Arte?
JHONNY: O Sementeira da Arte conta com a participação de mais três amigos: Paulo Rafael, Ricardo Nakanishi e Rodrigo Lopes. Tudo começou quando fomos convidados para participar de um projeto de reposição de aula na escola Claudio Manuel da Costa, que fica no bairro Rodolfo Pirani – São Matheus. O Ricardo, integrante do coletivo, é professor e sugeriu à diretoria da escola que fizessem uma oficina de grafitti. A ideia deu certo, e logo fizemos a segunda oficina em outra escola do bairro, a escola Alceu Amoroso Lima.
SOUL ART – No Alceu vocês tiveram o apoio da Secretaria de Direitos Humanos, né? Como foi o trabalho realizado lá?
JHONNY: Isso, na segunda atuação no Alceu, tivemos o apoio da Secretaria de Direito Humanos e da diretoria da escola. As instituições compraram os materiais e permitiram que o projeto fosse possível. No total foram dois dias de oficina. No primeiro fizemos palestras que abrangiam desde estilos de grafitti a tipos de materiais usados. No segundo dia professores selecionaram dois alunos de cada sala e reproduzimos junto aos alunos seus desenhos no muro da escola. Os alunos fizeram um desenho com base no que eles enxergavam como direitos humanos. Foi incrível, eles tiveram ideias geniais. Algumas crianças fizeram desenhos em referência a igualdade social, outras fizeram referente a lazer e trabalhos forçados.
SOUL ART – Para você que cresceu numa região esquecida pelo poder público, a arte fez toda a diferença, né?
JHONNY: Com certeza. O grafitti para mim é tudo. É o meu trabalho, o sustento da minha família, o que tem me proporcionado as melhores coisas na vida, como experiências, aprendizados, parcerias e até viagens. Tudo que conquistei foi por meio do grafitti.
SOUL ART – Por isso você se dedica tanto ao coletivo? Seria uma forma de dar a mesma chance que teve para outras crianças?
JHONNY: Sim. E faço isso porque a arte e a cultura ainda não chegam aos extremos, não chegam as pessoas que vivem à “margem”. A maioria desses jovens não têm condições de sair do extremo leste para frequentar lugares onde a cultura é mais acessível, como o centro de São Paulo, por exemplo. Se você perguntar se já foram ao MASP, ninguém nem sabe o que é. Pode ser que até um ou outro tenha acesso pela internet, mas não é o mesmo que vivenciar isso. Através do grafitti podem ter acesso à cultura, à arte, como eu tive.
A ideia do coletivo é ser um meio alternativo de ensino. O modelo convencional não funciona. Na oficina de grafite nós abordando escalas, medidas, cálculos e outras coisas aplicadas em sala de aula que geralmente não interessam ao aluno, mas que ali suscitam o interesse porque foram apresentadas com uma abordagem diferente.
A principal mensagem que procuramos deixar é a seguinte: corram atrás dos seus objetivos. Somos pobres, negros, descriminados pela sociedade e se não fizerem nada por vocês, serão engolidos pelo sistema. Agora, o que cada um de nós podemos fazer por essa molecada é simples: nunca desistir dela.
SOUL ART – Quais são seus planos para o futuro?
JHONNY: Bom, pretendo dar continuidade a um projeto de escola de grafitti que temos. Vai se chamar Gabriela Graffiti, em referência ao nome da rua em que pintamos o mural dos músicos. Funcionará de segunda, quarta e sábado, das 9h às 18h. Também em breve faremos a exposição FOTOGRAGRAFFITI, com fotografias dos nossos desenhos. No colégio estadual Nossa Senhora da Penha vamos retratar 100 anos do carnaval da Vila Esperança e, depois disso, temos a ideia de promover alguns eventos aqui na região com a presença de DJ’s e oficinas de pinturas para integrar a comunidade.
SOUL ART – Quanto ao mural, como surgiu a ideia?
JHONNY: O dono do posto de gasolina decidiu se juntar aos comerciantes da região para restaurar o muro, pois estava muito deteriorado. Surgiu a ideia de fazer um graffiti e ele, como já conhecia meu trabalho, me chamou. Juntos chegamos à conclusão que seria legal se homenageássemos grandes nomes da música brasileira. Ao todo foram três semanas para finalizar o mural, isso porque pude contar com a ajuda do meu amigo Rodrigo, senão teria levado mais tempo.
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