Na mitologia grega havia dois termos para se designar o tempo. Khronos que significava o tempo que se mede, cronológico e, Kairos, dito sobre um momento especial, uma experiência na vida humana. O tempo que passa inevitável sob a ditadura de Khronos é inerente a todos nós enquanto seres vivos. Já as nossas experiências variam de pessoa para pessoa em momentos guardados na memória, resgatados num futuro onde se analisará o que foi feito daquele instante onde uma decisão foi tomada mediante algum fato.

Falar sobre o tempo e a memória na literatura pode ser um terreno perigoso desde os estudos do filósofo Henri Bergson e principalmente na monumental obra de Marcel Proust “Em busca do tempo perdido”. Jennifer Egan em seu mais recente e premiado com um Pulitzer, o livro “A visita cruel do tempo”, lançado aqui no Brasil pela Editora Intrínseca, consegue com maestria técnica e sensibilidade contar várias histórias de pessoas diferentes sob as mais variadas situações interligadas ou não, trazendo as memórias dessas personagens em conflito com a realidade de suas vidas muitos anos após os sonhos que não se concretizaram e destas pessoas que se modificaram a tal ponto de não se identificarem com elas mesmas no passado. Como ondas que chegam desesperadas à praia trazendo uma garrafa da memória contendo uma história ou um momento crucial durante cinqüenta anos (entre meados da década de 70 até 2020, entre Nova York, Los Angeles e até a África) na vida das personagens.

Jeniffer Egan não nega a influência de Proust e acrescenta Quentin Tarantino e “The passenger” de Iggy Pop à forma com que foi pensado e estruturado seu livro. Em treze capítulos que não seguem ordem temporal, espacial onde o foco narrativo muda constantemente e de personagem principal, a autora consegue aliar um texto divertido, rápido (até há um capítulo escrito em slides como Power point), sem grandes análises filosóficas como em Proust, e crítico, envolvendo o leitor e criando imediata simpatia e muitas vezes empatias pelas personagens e suas situações. Em ritmo cinematográfico, até porque o foco nas ações e diálogos é marcante, Egan nos conta sobre Bennie Salazar, executivo da industria musical e ex-músico punk. Sasha, assistente de Bennie e cleptomaníaca. Bosco, alucinado guitarrista da banda Conduits. Lou, produtor musical viciado em garotas e cocaína. Jules Jones, jornalista que ataca uma entrevistada e vai preso.

Entre outras personagens catastróficas, paranóicas e sonhadoras, a autora faz um retrato da sociedade que se transforma cujo gancho principale é a indústria musical, sua ascensão e queda, a entrada na era digital, a transformação que provoca o sucesso e o fracasso na vida das personagens. O excepcional “A visita cruel do tempo” é pura ironia do tempo real e do tempo imaginado, daquilo que ele rouba da vida, inevitavelmente.

E nas palavras de um Bosco agonizante:

“É essa a realidade, não é?
Vinte anos depois, a sua beleza já foi para o lixo,
especialmente quando arrancaram fora metade das suas entranhas.
O tempo é cruel, não é? Não é assim que se diz?”

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