Conto: Robson Alkmim | Ilustração: Filipe Rocha
Chove.
Uma moça se esconde sob o abrigo do ponto de ônibus.
Sacode o guarda-chuva xadrez enxotando a água do tecido.
Exasperada, tenta enxugar a saia negra com as mãos úmidas.
Senta-se numa ponta do banco para se proteger.
Tremelica com o vento frio entre os metais e vidros sujos.
Dança impaciente os seus sapatos vermelhos; talvez à espera de um outro par.
Saca o celular da bolsacola. Uma chamada? Nada.
Olha para a esquerda na direção do trânsito que vem cortando a chuva.
Olha para a direita e observa os pedestres como se não quisesse ser surpreendida de assalto.
Pergunta algo a uma senhora que passa valente sob o aguaceiro; não sei não!; acenos.
Balança a cabeça decepcionada, meio lenta e cansada.
Lança sua grande franja delicada para o lado, parece-lhe incomodar os pensamentos.
Seus olhos acompanham um cão com passinhos apressados até ele virar a esquina.
Baixa seu rosto em direção às mãos que se apertam aflitas.
Com os ombros recolhidos, seu corpo se confessa frágil.
Parece um castigo inevitável estar ali. Até que se paralisa.
Ergue os ombros, a coluna, o rosto; abre-se como uma flor;
Seus olhos atingem um rapaz no bar do outro lado da rua; ela sorri.
Bebia.
Descia ligeiro uma cerveja pela garganta.
A música do ambiente era ruim, e não havia como escapar.
Minhas costas carregavam uma mochila com as sobras da demissão no emprego.
Suava frio, não sabia se pela bebida ou pelo ar abafado de verão. Talvez mágoa.
Os outros ali tomavam seus copos e conversam sobre as desgraças da cidade alagada.
Fetiches de uma tarde num verão paulistano: ver os outros boiando.
Sobre o balcão eu descansava um braço; observava os minutos impassíveis da vida.
Os sons se misturavam e toda a porção de gente me incomodava entre as orelhas vermelhas.
Homens olhavam para mulheres; mulheres olhavam para os espelhos; desejos desconexos.
Minhas pernas dormiram naquela banqueta estreita e bamba.
Imaginei tirar uma foto da foto dum papagaio tristonho pendurado perto do caixa.
Peguei o celular, mas ele estava desligado, molhado, zuado, sem expectativa de reviver.
Com os tênis encharcados, meus pés escorregavam dentro deles.
Seria a vida tão besta assim a ponto de passar por todo aquele mico?
Sim, respondeu meu “Eu” espertalhão.
Bebericava, invadia-me a vontade sem vontade de sair correndo.
Os ventiladores giravam lentos, e tive a impressão que bateriam em minha cabeça.
Virei-me em busca de ar; levantei-me para ocupar novo espaço.
Caminhei até a saída vencendo algumas pessoas e brequei.
Com a vista meio embaçada, pela chuva, claro, vi uma garota do outro lado da rua.
Não sei era, talvez, creio que sim, um sorriso, só para mim!
Tive uma paixão daquelas que todos contam por aí: de ponto de ônibus!
Imaginei uma conversa agradável, drinks, beijos, casa, cama e…
Quanto segundos isso durou mesmo?
A moça se levanta e faz um sinal.
Um ônibus para; e logo vai embora.
No ponto sobra somente um cão que se chacoalha.
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