[dropcap size=big]N[/dropcap]a hora do almoço, o tédio na fila do self service era cortado por conversas banais. Só nesses raros momentos, proporcionados pelo polpudo vale-refeição, posso escolher mais que uma mistura para acompanhar arroz, feijão e a salada sem graça. Na mesa, as mesmas banalidades levantadas na fila esvaziavam as mentes cheias de trabalho, metas, reuniões e broncas de chefes esquentados.

Mas, como de praxe, nessa hora que as firmas são obrigadas a nos conceder para a  alimentação, os assuntos corporativos voltaram em metástase, sem vontade de ir embora. Também bateu à porta o velho ceticismo com as promessas da chefia, que na última reunião se comprometeu a melhorar o salário dos mais antigos como valorização ao tempo de casa, além da melhoria em nossas condições de trabalho, dignas das reclamações semanais.

— Tem o pessoal lá do outro lado que botou fé nisso. Fazer o quê? Tem quem acredite até que o homem foi à Lua — disse o contador.

O silêncio imperou. Ele levou o garfo à boca. Um constrangimento dominou a mesa.

— Você não acredita que o homem foi à Lua? — perguntei, não sem levar uma cotovelada por baixo da mesa, como um pedido para não bater palmas para o maluco dançar.

— Claro que não, é óbvio. Tudo montagem. Por que nunca voltaram pra lá, com tanta tecnologia? Por que ninguém volta, leva gente pra Lua, essas coisas? Responde, sabe tudo!

— Cara, isso é informação pública. Os investimentos são altos, o congresso norte-americano precisa  aprovar isso. E foram várias missões até chegar à Lua, depois também, até a União Soviética reconheceu o feito. Dá uma olhada nesse link — tirei o celular do bolso e o entreguei.

O contador, que já tinha fama de esquisito entre os corredores, recusou. Às vésperas das eleições presidenciais do ano passado, era comum ver o pessoal fugir dele na copa, engolindo café rapidamente.

— Me tira uma dúvida — continuei, tomando outra cotovelada por baixo da mesa —, o Elvis e o Michael Jackson morreram? E o Paul McCartney, tá vivo?

— Tá de brincadeira! Nunca viu a história lá, da capa do CD dos Beatles? Tá escrito ali que ele morreu, foi tudo coisa de empresário. O Paul, claro, nunca gostei muito dele, esse cara de Ronald Golias. Do Michael Jackson, não sei não. Já viu o corpo? Eu nunca vi. É igual essas pesquisas aí, nunca me perguntaram nada.

Notei o restante do pessoal comendo mais rápido, para encerrar o papo, talvez. Desisti de mais perguntas ao contador. Nada de Xuxa, Illuminati, Lady Di, 11 de setembro ou mesmo vacinas.

Terminei a refeição e abri o Facebook, meio de lado, para ninguém prestar atenção. No seu perfil, vi compartilhamentos de páginas esquisitas, muita positividade, coaching e políticos com posicionamentos, digamos, persecutórios. Extremistas, como sua aversão ao bom senso. Fiz um último teste.

— Me tira uma dúvida?

— Claro, manda!

— E a Terra?

— Que que tem?

— O formato.

— O formato?

— Isso. Redonda?

— Não sei. Dizem que é redonda…

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