Conto: Gabriel Lima | Ilustração: Filipe Rocha
Contos Ilustrados: Mãos à obra
Essa deve ser a sexta ou sétima galeria de arte só este ano. Já perdi a conta. Longe de mim reclamar, mas é que ainda não me acostumei com esse lance de ficar exposta, sabe?, com toda essa gente olhando – mesmo sabendo que nasci pra isso. Meus colegas de exposição se dão melhor com a situação. Os telões do audiovisual, por exemplo, não viam a hora de serem instalados no corredor e percebi também algumas esculturas entusiasmadas com o novo período que vamos ficar em cartaz. Já eu, talvez, precise de mais tempo pra entender meu papel nisso tudo.
Seria mentira se dissesse que não gosto do que faço. Tenho lá meus momentos de diversão e tudo mais. Primeiro porque nas exposições a gente encontra todo tipo de visitante: desde aqueles senhores que usam agasalho de lã nas costas e fazem cara de conteúdo na nossa frente até os garotos perdidos que saem da escola e vêm pra cá quando não têm nada de melhor pra fazer. Sem demonstrar, é claro, me divirto sadicamente com a nobre esperança dos professores tentando resgatar a atenção dos adolescentes dos smartphones e colocar nos quadros. Ou quando chega algum Preguiçoso Cultural – nome que damos àqueles que vêm à galeria só pra tirar foto das obras e das plaquinhas de identificação sem nem olhar as peças, digamos, ao vivo; talvez pra ver depois em casa, vai entender. São essas e outras figuras humanas que aparecem de vez em quando e fazem o dia valer a pena. Assim como sentir que estou levando o sentido da minha existência até pessoas realmente interessadas em arte – não preciso nem dizer que essa é a melhor parte e que a gente se esforça muito pra isso acontecer.
O que me desanima um pouco é saber que muitos não têm a mínima noção do nosso valor. Desse valor incalculável não por ser monetário, mas por ser artístico. Um valor que nasce da eletricidade gerada entre as intenções do autor e as pinceladas na tela. Isso, por si só, já me dá vontade de saltar desse barril e me deixar levar corredeira, mas ainda assim tem um outro valor que também é pouco reconhecido. Aquele que vem logo após a última pincelada: o de ser exibida.
Muitos pensam que a vida aqui é fácil. Principalmente alguns semelhantes que nem saíram do cavalete ainda. Mal sabem eles o quem vem pela frente. Isso vai além de ficar parada na parede e me deixar admirar. Poucos sabem como é desgastante viajar dentro de caixas, ser embalada e desembalada várias vezes; não sabem como plástico-bolha é sufocante; e nem imaginam o esforço necessário para manter minhas cores originais depois de receber flashes de desavisados. Essa vida é pra poucos, amigo. Pergunta pra Monalisa se é fácil sorrir 511 anos sem parar. Se ela pudesse sair da posição, certamente encheria a cara e desabafaria no seu ombro na hora.
Portanto, deixo aqui uma dica valiosa: quando vier a uma exposição, lembre-se do trabalho nobre que nós obras fazemos para manter a arte viva. Faço uma força incrível pra manter o olhar fixo, não me mover e transmitir a mensagem mais pura que meus traços e tons conseguem. E mesmo tendo que ficar ajoelhada por horas com esse remo pesadíssimo na mão, continuo aqui pronta para quem quiser me apreciar. Torcendo pra que na próxima exposição eu me sinta mais a vontade com isso tudo. Daria minha moldura pra isso acontecer o mais rápido possível.
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