Nem mesmo o regime mais assassino ou a guerra mais sangrenta podem ser tão cruéis quanto a História. Quando o desespero e as lágrimas de milhões de indivíduos se tornam estatísticas, e grandes tragédias do passado de tão estudadas não nos chocam mais, arrastamos para o campo da superficialidade a única coisa que as vítimas de massacres como o Holocausto puderam salvar da morte: suas lições.
Embora os horrores da Segunda Guerra Mundial sejam tema recorrente na literatura e no cinema, eu jamais havia conseguido mergulhar de verdade no drama vivido pelo povo judeu durante o nazismo. É claro que sabia o quanto aquele episódio tinha sido ruim para a humanidade, mas nunca houve uma noite sequer em que o sofrimento daqueles homens, mulheres e crianças tirasse o meu sono. Até ler Maus.
Poderia começar dizendo que a trama é toda narrada em quadrinhos, que o traço de Art Spiegelman tem o poder de fixar o roteiro em nossa mente, falar sobre a geral ironia do autor de se apropriar da propaganda nazista ao desenhar seus personagens como animais, para cada povo uma espécie (judeus são ratos, alemães são gatos, poloneses são porcos). Mas isso não foi o que mais me impressionou no livro.
O testemunho de Vladek Spiegelman, pai de Art e protagonista da obra, é capaz de incomodar o íntimo do leitor, fazendo mais do que descrições detalhadas de memórias da guerra. Maus nos leva para os guetos, nos esconde em latrinas, nos faz passar fome e frio em Auschwitz, nos angustia até nos encolhermos de medo de que um soldado alemão apareça. O autor desenha a vida real, e, por nos enxergarmos em seus personagens, começamos a entender a história de fato.
Não há como saber o que foi e o que é o Holocausto, sem presenciarmos a banalização da morte: não a de milhões, mas a de um pai, uma mãe, um amigo próximo, um filho. Não há como tirar conclusões sobre a Guerra sem estudarmos o comportamento de Vladek, influenciado pelas mazelas do conflito tantos anos depois. Não se pode colocar um ponto final em cima do que é o ser humano sem antes o analisarmos em situações extremas como as do livro, esteja ele do lado mais fraco ou do lado mais forte.
Maus começou a ser escrito em 1980, sendo o primeiro capítulo publicado na revista Raw. O resto da história foi aparecendo nas edições seguintes, até o ano de 1991. Como livro, foi lançado em 1986, contendo a primeira metade do que hoje é a edição completa. A parte final foi para as prateleiras cinco anos depois. Em 1992, Art Spiegelman foi agraciado com o “Prêmio Especial Pulitzer” pela obra. Maus é considerada uma das mais importantes graphic novel de todos os tempos, e é um livro obrigatório para qualquer um que se interessa pelas guerras que são travadas dentro e fora do coração do homem.
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