Culturalmente, como via de regra, o tratamento pautado na medicação é oferta para toda demanda em saúde, onde se identifica na pessoa a necessidade do cuidado, intervenções para uma melhora do caso apresentado ou diminuição dos agravos aos sintomas latentes. Seja em questões de ordem biológica ou em saúde mental, a medicação é a base da oferta de uma possível melhora. Mas, nosso questionamento aqui é justamente na base, nos determinantes do contexto social que interferem diretamente na qualidade de vida de cada pessoa, onde remédio nenhum alcança. Ou seja, quando o agravante e a causa das demandas apresentadas é e está justamente na vida singular da pessoa.
Falando sobre autismo…
Ao tratar diretamente sobre manejo e intervenções no autismo, mais precisamente na saúde (como por exemplo, nas ofertas de terapias necessárias) ou na educação (como desenvolvimento inclusivo do ensino no ambiente escolar), nos remete ao imaginário que as demais questões da vida de cada pessoa com TEA, como de qualquer outra pessoa, já foram superadas. Algumas vezes sim, porém na maioria dos casos… NÃO!
Nesse sentido, é preciso reafirmar a importância do cuidado integral, ou seja, entender que as necessidades humanas estão interligadas e o êxito de uma área da vida passa por todas as outras (o contrário também).
Vamos lá, direto ao ponto!
Não basta garantir oferta de acesso a saúde, com fisioterapia e fonoaudiologia, terapeutas ocupacionais, psicólogos e demais disciplinas, se não entendermos como está a questão da mobilidade, por exemplo! Como a família ou a pessoa autista chegará ao cuidado. Se é no território onde vive ou se é distante da residência! E a casa da pessoa autista? Como é? Está em área de risco? Há saneamento básico? O espaço físico é adequado ao número de pessoas na família? E a família? Todos trabalham? Estão saudáveis fisicamente ou psicologicamente? Têm o que comer ou vestir? Mãe solo com demais filhos? Pai desempregado em contexto de vulnerabilidade? Há acesso a internet? Fogão? Televisão? Possuem rede de apoio?
E a comunidade!? O entorno é acessível? Há asfalto e iluminação? Têm serviços básicos próximos ou estão em um local mais distante? A escola é perto? Na verdade, estão frequentando a escola? Se sim, a unidade escolar é preparada pra inclusão? Os profissionais e a estrutura física são/estão acessíveis?
As necessidades humanas interferem no desenvolvimento de toda pessoa e com o autista não é diferente. Pelo contrário, o contexto social influência diretamente em sua vida, na percepção de mundo, no sentir das coisas, sobretudo, em sua evolução (ou regressão), na construção de identidade e em sua autonomia. Afinal, mesmo frequentando terapias semanais e medicalizado com remédio de alto custo, porém com a geladeira vazia, vivendo em contexto de violência, sem moradia digna, enfim, de nada servirá tal cuidado se a vida integral não for vista como parte do todo.
Enfim, pouco ouvimos falar sobre esse tema social ligado a inclusão, em destaque ao autismo. Entretanto, não há terapia que alcance a vida vulnerável. Ir uma vez na semana em um atendimento de saúde após enfrentar ônibus lotado, sem ter feito uma refeição adequada, com uma mãe que teme o desemprego, uma criança que mal tem o que vestir, enfim, se não há garantia de direitos básicos pra vivermos plenamente e seguros, o cuidado pontual é paliativo e não irá DIALOGAR com a realidade.
Entretanto, se há um projeto de cuidado baseado na vida, onde promova dignidade, pensando na renda e no acesso garantido, na alimentação e no contexto social, na escola e acolhimento, nos direitos básicos, na moradia e acesso a cidade, entre outros, daí sim estamos falando de construção e desenvolvimento pleno, onde veremos de fato, não só o cuidado há pessoa atendida, mas de toda comunidade local, da sociedade como um todo, de um bem estar social ao autista como pessoa e não como “caridade a deficiência”, ou seja, o cuidado vai além de um complemento sem o retrato da vida como ela é.
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