Os símbolos podem dizer muito, se os observarmos com alguma atenção. O brasão de armas da Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, revela categoricamente o que é essa instituição. Como que emoldurando a parte central do escudo, um soldado e um bandeirante. Sim, esse mesmo, o caçador de índios, o responsável imediato por aniquilar a resistência indígena e negra, no período colonial. Ao centro, entre outras figuras, como as listras da bandeira paulista e ramos de carvalho, há dezoito estrelas, cada uma delas representando um marco histórico da corporação. Entre eles, o combate à índios caingangues no Paraná, a destruição de Canudos, a repressão à Greve Geral de 1917 e, a última estrela, a cereja no bolo, a participação na “contra-revolução” de 1964. É disso que se orgulham. É isso que os inspira. É isso que representam. É a esse Brasil que juram “lealdade e constância”.
Não precisamos sequer ir além dos números oficiais para verificarmos o absurdo e o inaceitável. Batem recordes de mortes e não reduzem os crimes. Em média, a polícia militar de SP mata duas pessoas por dia. No ano passado, a polícia paulista foi responsável por uma em cada quatro pessoas assassinadas na capital. Nos últimos dez anos, mais de cinco mil pessoas foram mortas por policiais em serviço. Claro que o número de policiais mortos não chega nem perto disso. Matam três vezes mais do que todas as guerrilhas sul-americanas juntas. Se agregarmos a PM do Rio de Janeiro à conta, matam mais do que todos os países com pena de morte somados. Aliás, é facilmente constatável: o policial militar é o agente de uma pena de morte informal, que julga e executa a pena.
O que sustenta a barbárie de uma polícia que age como grupo de extermínio? Uma classe média sedenta por sangue, estimulada por programas sensacionalistas de TV que diariamente propagam a sórdida ideologia do bandido bom é bandido morto para uma população irredutivelmente reacionária e que, no caso de São Paulo, está disposta a avalizar tudo o que faz o interminável governo tucano no estado.
O perfil das vítimas, de qualquer cidade brasileira, não só da capital paulista, é o mesmo: são jovens, pobres, negros, baixa escolaridade, moradores de favela e periferia. Quem constata isso é a Anistia Internacional, que também alerta: a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. Ou seja, o resultado global da ação policial é racista e genocida.
O histórico mais recente de repressões violentas é longo e inclui manifestações de estudantes, de professores e de movimentos sociais de todo tipo. No dia 4 de setembro, a Polícia Militar paulista deteve 26 pessoas antes do início do protesto contra o governo Temer em São Paulo. Entre os detidos, oito menores. Todos foram levados para o Departamento De Investigações Sobre Crime Organizado (Deic) e não tiveram acesso a advogados e nem puderam falar com familiares. Ao final do ato, à noite, quando os manifestantes já se dispersavam, uma chuva de bombas da polícia varreu o centro da cidade, sem que, aparentemente, houvesse algum motivo para a selvageria. A propósito: se isso não caracteriza uma Ditadura, o que é Ditadura? Uma força policial truculenta e acima da Lei é a garantia mais visível de um regime totalitário. Lamentavelmente, os tempos sombrios que anunciam nosso obstinado retrocesso contam com zelosas corjas de capitães-do-mato.
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