E quando vou na FNAC eu vou ao segundo piso (onde ficam fotografias de arte), e quando ninguém está olhando, eu abro o livro do Terry Richardson, pois não há no mundo nada mais trash do que as fotografias vulgares que ele faz de si, de mil-i-umas barangas e outras tantas celebridades.
Em sua exaltação do que é perverso e grotesto, a linha de frente é o corpo. Mas entenda-se aqui um corpo exposto de modo provocativo e vulgar, o sexo como lascívia, o sexo em si, por sua gratuidade.
Aliás, nas fotografias do novaiorquino Terry Richardson, o sexo é só mais uma mercadoria, sem aura alguma, sem transcendência, cresça ou moral.
E é importante não esquecer, que Richardson é fundamentalmente um fotógrafo de moda, o que dentro do esquema do belo e modelar representa um enorme ruído. Nisso ele representa uma continuidade ao trabalho do próprio pai – o também fotógrafo Bob Richardson, que também punha a sensualidade e o desacerto em suas imagens de moda e stars –, mas o radicaliza, acrescentando a cor e o grotesco.
As fotos de moda que produz, ora se fazem pouco ou nada glamourizadas, o princípio estanque de seu estilo, está na constante exacerbação de desvios, do circunscrito aos inferninhos, às festas junkies, aos bastidores recheados de “coca” do mundo fashion, aos quartos fechados dos hotéis (finos ou de terceira) onde se goza aos berros, daí a força do sexo e do fetiches em tudo que produz.
Ele como que realiza uma “desorganização” da pose publicitária em seus trabalhos mais autorais. É um desvio que desvirtua (mas enfatiza o choque) num diálogo astuto com clichês das imagens publicitárias mais banais.
Entretanto, o mais radical em sua criação, é que sua fotografia não se faz como “crítica” ao mundo fake que retrata, das celebridades acéfalas, dos homens imbecilizados, das modelos burras, dos escândalos fabricados para aparecer. Sua vulgaridade é antes um festejo à um universo libertino (ou liberal), uma afronta ao politicamente correto, ao bom gosto, aquilo que na fotografia de moda não pareceria aceitável.
Richardson constrói seu estilo contra o belo estético “domesticado” e “instituído” por todas as Vogues e Cosmopolitans do planeta. Recrudesce o “ideal burguês de consumo e gozo imediato”, de culto narcisista ao corpo, debochando do establishment do qual se alimenta. É um fotógrafo que não poderia existir sem o esgarçamento moral dos nossos dias. Se fosse na Antiguidade, teria Nero e Messalina como mecenas pelo gosto pelo excesso, pela depravação e bizarrices sem medo/culpa cristã.
Richardson carrega nas cores, intensas e agressivas, explora poses que evidenciem órgãos sexuais, usa de todo um referencial pop como antigas poses de pin-ups, recorre a ícones das histórias em quadrinho, ou do universo das topmodels, dos stars e rockstars, por vezes num comentário referente às transgressões dos próprios retratados.
Interessa a ele essa exibição perniciosa do vício, do excesso de tudo, das drogas, do álcool, do consumo, dos prazeres imediatos, físicos, palatáveis.
Obsceno, licencioso, lascivo, fescenino, safado, puto são os adjetivos mais apropriados para esse fotógrafo provocativo que faz do desbunde matéria-prima para imprimir-se nas maiores revistas de moda e comportamento do mundo.
Richardson tem predileção pelo grotesco mundano, por isso não escamoteia nem mesmo a decrepitude da velhice, as fantasias sadomasoquistas, gays, lésbicas, trans-sex. Não lhe escapa, nem mesmo o fetiche por animais, numa zoofilia explícita ou sugerida, com cobras, vacas, galinhas.
Sua idolatria falocêntrica (há um profusão de fotos arregimentando homens, turmas, amigos prontos para uma gangbang), faz com que as mulheres surjam como seres hipersexuais e vulgares, sempre satisfazendo fixações orais em peitos desnudos, leite, amamentação): leite, gosma, saliva, cuspe e gozo. E agora refletindo, podemos afirmar que no centro do “mundo” imagético de Richardson está a “boca”.
Fotografando-se ao lado dos modelos, Richardson se mostra cool, acessível e ao mesmo tempo um outsider. Nesse penetrar o espaço do retratado (e não ficar só atrás da câmera, passivamente) reafirma a egolatria dos tempos atuais, quando quem produz Arte se exibe e continua seus trabalhos/criação na personagem que criou de sim mesmo para exibir e ser cultuado, no mesmo nível/planos das celebridades/divinizadas no cinema, na canção, na mídia.
Nesta obsessão pelo “eu” em expôr-se, há muito do panorama atual de egocentrismo: o ser blogueiro, o ser Big Brother, autobiografar-se mesmo na ficção (a eterna primeira pessoa), tudo traduzido em obsessão por mostrar-se em facebooks, orkuts, twitters, skype-strippers, em milhares fotos de si no espelho mostrando peitinhos.
A força da produção fotográfica de Terry Richardson está na exacerbação do excesso e a banalização de valores antes reconhecíveis e hoje extintos, decadentes ou profundamente questionáveis; por isso penso que hoje ele está na fotografia traduzindo brilhantemente muito do contemporâneo.
Há ali (em sua fotografia) algo que nos diz, de certo modo, de ser/pensar entre o gratuito, fake, artificialmente subversivo que bem ou mal (ou para o bem ou para o mal) cultuamos.
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