Fomos até o Instituto Cultural de Tradição e Memória do Samba de São Mateus na última segunda-feira, 24/07, trocar uma ideia de responsa com o músico, cantor e compositor Yvison Pessoa, que pôde nos contar, “de Almir Guineto a Zeca Pagodinho“, detalhes da sua trajetória.
Enquanto o bairro de São Mateus vivia mais um início de semana lá fora, do lado de dentro do Instituto uma prosa solta e descontraída se fez presente, possibilitando – através de um diálogo que transgrediu as barreiras da formalidade – que o ex-membro do saudoso grupo Quinteto em Branco e Preto dividisse conosco detalhes de sua caminhada no samba, sua resistência e seu modo de enxergar o mundo.
Você confere isso tudo na entrevista abaixo:
Quando e como começou a sua trajetória no samba?
Pô, meu irmão, a minha trajetória eu começo a contar da primeira vez que eu subi num palco, com 12 anos, numa festa duma sociedade de amigos de bairro, onde eu fui tocar repique de mão no lugar de um cara que tinha ido viajar. A recordação que eu tenho de criança tocando, é na rua com a rapaziada e em beira de campo, nos anos 80. Mas foi mais ou menos ali, em 89, 90, que eu comecei a tocar mesmo. Em São Mateus, num encontro com a rapaziada, no quintal da Tia Cida, com Gerson da Banda, Tocão, Timaia, Jorge Neguinho, que eu caí mais pra dentro, assim, né?! Começamos com grupos de bairro, mas, cair pra noite mesmo, foi ali no comecinho dos anos 90, até chegar em 96 com a formação do Quinteto, dali pra frente começou o trampo à vera mesmo.
Como se formou o grupo Quinteto em Branco e Preto? E o fim do grupo, como e porque aconteceu?
O Quinteto se formou no bar Boca da Noite, na época do Wilson Sucena. Nessa de ficar de cantinho, teve uma brecha uma vez, no final do samba, e deram o violão pro meu irmão [Everson]. Eu peguei o pandeiro, o Victor pegou o tantã e a gente começou a cantar samba. O pessoal ficou impressionado pois éramos garotos. Depois disso, o Sucena chamou a gente para integrar a roda. Os irmão Magnu e Maurilio iam em dias diferentes da gente, e o Sucena falava pra eles virem nos conhecer, até que um dia eles foram. Quando chegaram, a gente já sabia deles. Um pegou um cavaco, outro pegou um pandeiro e deu a formação certinha. Parecia que a gente já se conhecia. Passou. Um dia eu dei a ideia pros meus irmão da gente formar um grupo com esses dois meninos, então eu fui onde eles estavam tocando, numa casa na Zona Sul, e propus. Eles aceitaram, daí começamos. Primeiro foi “Quinteto Boca da Noite”, por conta do bar. Só quando a madrinha [Beth Carvalho] apareceu no Boca, mais ou menos um ano depois, que, encantada, resolveu batizar de “Quinteto Café com Leite”. No próximo ano, a gente disse pra ela que o nome não ia rolar, e pedimos para que ela sugerisse outro nome. De pronto ela falou: “põe Quinteto em Branco e Preto”. Daí já era! Ficamos sete anos trabalhando com ela.
Eu não digo que houve um final. Eu não sei o que aconteceu no processo, durante o tempo, que a gente não soube lidar muito bem. Quando entra o negócio da gestão, é que pega. É sempre na mão de terceiros. E terceiros que não são do samba, isso que é o problema. O quinteto foi vítima desse processo. De não conseguir se auto gerir e acabou se perdendo no negócio. Daí vai se infiltrando um monte de gente negativa, “come a mente” de um e de outro e nem todo mundo é firme na ideologia e vai se deixando levar. Eu comparo com os Racionais: Se eles quisessem, tinham feito uma revolução no país e tomado de assalto. Não fizeram porque? Porque é complicado comprar essa briga. Ao mesmo tempo os caras te traem no caminho. Você fica naquele impasse. Vamos pra guerra? Mas você vai pegar em armas? E se os 10.000 que falaram que iam não forem? Então o processo é mais ou menos esse, entendeu? Mas nunca se sabe o dia de amanhã…
E o Instituto de Tradição e Memória do Samba de São Mateus, como surgiu?
O Instituto é uma coisa antiga. É um sonho que eu já tinha da época do Morro das Pedras [2002]. Foi num natal, quando a rapaziada que frequentava lá veio para São Mateus fazer um samba no quintal da Tia Cida, em que a gente tocou das 22h às 13h do dia seguinte, que a gente decidiu fazer um movimento. Desde lá a gente vem migrando. Quando foi mais ou menos no ano retrasado, eu levantei esse espaço [o Instituto] e vi que era um prédio público. Então fomos na Subprefeitura e mostramos o projeto. Deu certo, mas foi e está sendo um processo árduo. Com a troca de gestão da prefeitura a gente tá penando pra se manter aqui. A qualquer hora pode aparecer alguém com um papel na mão e pedir pra gente sair. Mas daqui eu não saio sem lutar! Aqui é um espaço importante para a comunidade, pois tem um lado social, onde acontecem oficinas e atividades, e a parte das “tradições e memórias”, onde procuramos mostrar que o samba tem que estar na periferia. Nossa intenção é mostrar pro povo periférico que isso aqui é dele.
A partir dos movimentos que você faz parte, é perceptível que dentre os ex-integrantes do Quinteto, você é o mais ligado às causas sociais. Concorda? Como você enxerga isso?
Então… eu acho que eu sou o mais atuante mesmo nessa parte. Os outros integrantes também têm essa preocupação, mas é que eu tenho uma inquietação com essa coisa social há muitos anos. Não sei se é porque meu pai era de movimento sindical e minha família, que é nordestina, foi ligada a essas questões políticas, sempre com uma visão mais da esquerda… Então eu já tenho essa coisa assim latente. Mas os meninos também fazem. É que eu procuro expor mais, porque acho que o artista tem que ter uma posição. Sempre prezei por isso. Às vezes, por conta desse posicionamento, acontecem alguns boicotes, como o próprio Nei Lopes já me confessou que aconteciam com ele também. Eles acham que o sambista não tem que “falar disso aí”.
No último dia 23/06 você lançou, no Sesc Bom Retiro, o seu primeiro CD solo, intitulado “Trajetória”. Como tem sido o trabalho em carreira solo? Você acredita que esse momento marca uma transição na imagem do artista “Yvison Pessoa”?
Vou falar pra você que é um momento complicado pra se fazer carreira solo, viu!? Porque você não tem muito espaço, opção. Pra começar… meio de comunicação é complicadíssimo. Só se pagar jabá, e isso aí eu sou contra e nem quero alimentar esses bichos. O importante é o reconhecimento do povo. Eu queria estar num programa de massa para poder expressar realmente meu pensamento pro povo, pra ver se a gente muda esse cenário. Sem contar que eu nunca imaginei fazer carreira solo. Eu me vi num momento em que tive que optar por isso… e como não queria voltar a carregar bloco e fazer massa, com todo respeito à profissão, eu falei: vou continuar essa trajetória. Mas a ideologia é a mesma, e claro, o Quinteto está sempre atrelado.
Ainda sobre o seu CD, “Trajetória”: Das três participações do disco, duas são femininas, sendo elas da Deputada Leci Brandão e da Graça Braga. A partir disso, gostaria de saber como você enxerga o papel das mulheres dentro do samba.
O samba só se manteve até hoje por conta das mulheres, principalmente as Yalorixás. Se não fossem elas, o samba não permaneceria. Como a perseguição ao sambista era uma coisa muito feroz, eram elas que acolhiam os sambistas nas casas de santo, tal. É triste porque o samba, querendo ou não, é muito machista, o que é até uma contradição, porque uma das traduções da palavra “samba”, não me lembro se no Kimbundu ou no Kikongo, é “senhora”. Eu procuro sempre trazer a mulher pro samba, e não só como cantora e compositora, mas também como instrumentista. Infelizmente é difícil você achar, mas mais pela falta do incentivo e por boicote. Apesar que do final de 90 pra cá isso tem mudado.
No final do ano passado você veiculou o espetáculo “100 anos de SAMBA – Memórias de um tempo sem memória”. Como foi? Pretende retornar com o projeto?
Esse projeto foi um convite do [Deputado] Adriano Diogo, que é um cara muito preocupado com a cultura. Daí ano passado ele nos apresentou ao pessoal do Teatro Heleny Guariba, que tem toda uma história, e aí eles deram a ideia de fazer um projeto de samba lá. Daí, aproveitando o centenário do samba, eu propus de fazer sobre a resistência do samba desde quando ele chegou ao Brasil até os dias de hoje, mais precisamente nos anos 2000, com a vinda das comunidades. […] A maior forma de resistência que tem é o samba, e esse é o grande medo da elite. O sambista inteligente é revolucionário. Enfim, a gente pretende voltar com esse projeto ainda em setembro deste ano!
Você caminhou e caminha ao lado de grandes mestres já consagrados, como por exemplo, Nei Lopes, que assina o texto de apresentação do seu CD. Qual a importância de personagens como esse?
Eu considero o Nei como o nosso Lima Barreto. Acredito que é um cara que deveria estar na Academia Brasileira de Letras tranquilamente. O Nei, pra mim, é uma das maiores personalidades brasileiras de todos os tempos. Além de ser um cara vivido do samba, ele também é um cara acadêmico, e assim, quando você tem esses dois lados, acaba tendo mais base. Se pessoas como ele tivessem oportunidade de falar a nível nacional hoje em dia, revolucionavam o país.
Como você enxerga o papel das comunidades e terreiros na cidade de São Paulo? Acredita que é possível traçar um paralelo, em relação à valorização do compositor, com as escolas de samba em 70/80?
As comunidades estão tentando fazer esse papel, mas é muito triste porque o que mais você vê por aí é um pouco de modismo, mesmo. Vira uma outra forma. Algumas tem seu papel sério, sua questão social. Agora, o sambista que saiu da escola de samba pra fazer as comunidades, está tentando recriar essa memória, mas é um processo muito complicado. Tem lugares como o Terreiro de Compositores e o Samba da Vela, que tem esse lado dos compositores mesmo, dos poetas. É complicado porque em alguns lugares eles tentam reproduzir coisas, mas sem autenticidade. Acabam saindo coisas que não são verdadeiras. Isso é o que eu vejo por aí.
Por fim, quais são os planos futuros do artista Yvison Pessoa em carreira solo?
Plano, na verdade, nenhum. Eu tenho muitos projetos na cabeça, de coisas que eu queria realizar. Eu sou movido a projetos. A minha ideia é, claro, correr agora com o [disco] “Trajetória” e, de repente, fazer um DVD com participações. Eu tenho um sonho também de fazer um projeto e pegar composições dos mestres do samba de São Paulo e montar um trabalho, como um CD ou um DVD, pra mostrar a riqueza que se tem aqui. A história daqui é muito rica, mas eu acho que ela ainda é bastante fragmentada. Precisamos de um material mais embasado.
Yvison Pessoa
Telefone: (11) 3101-2068 – (11) 97090-7009
Email: [email protected]
Maiores informações: http://yvisonpessoa.com.br/site/
Ouça o CD “Trajetória” no Spotify:
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