Chega um tempo, na vida da gente, que é imprescindível saber o que é essencial para se viver. A vida nos cobra resultados, e para isso, é preciso saber o que escolher, na vastidão de tudo aquilo que o mundo nos mostra!…
No meu caso, está muito claro que não vivo sem a Beleza. Ela precisa me ocorrer diariamente. Sempre! Sem Ela não sei sonhar, fico miserável e não posso dar de mim nada, nada do que vem do céu que não me pertence… e que precisa fluir para além dos limites do meu espírito….
Mas em certas experiências – raras – a Beleza nos acontece de modo a nos tirar tudo. Passa como água benta que nos leva as palavras, deixando-nos limpos, livres só para sentir. Assim, sei da imperfeição do que começo a dizer agora. Da inutilidade de dizer o que a Beleza me roubou.
Há sete dias,… eu a vi. Vi e ouvi e senti… a enormidade da força dA menina dos olhos de Oyá! Era noite, e eu me sentei como quem vai assistir a uma imperfeição bonita. Preparei-me, então, com minha alma domada, atento e silencioso, já pronto para ver a artista. Grato, tão grato, por este ano de realizar tantos sonhos!…
Mas o que eu vivi!… Deus do céu!… o que foi aquilo? Morrerei com a dúvida mais linda.
Veio vestida de estrelas, com mãos capazes de nos alcançar, e braços desenhando arabescos no ar, tão próximos do infinito!… Que oceano de águas doces, doces era aquilo? Cantora?… Intérprete?… Irmã do entardecer!… e daqueles ventos todos me encaminhando dando a todos uma ideia dos nove céu!..
Naquela voz de rio, a emoção transbordando do palco no ritmo mesmo que meus olhos, tão indignos de tanta beleza, jorravam gratidão!…
“Quando eu nasci, ela já cantava! Fui embalado por essa menina, então!” era o que eu queria pensar. Mas eu não fui brasileiro o bastante, não fui negro o bastante e, quando te ouço dizer da Bahia, não resta dúvida: nasci no lugar errado.
Quando levantava os olhos um pouco mais para receber teu abraço, menina, vendo toda tua grandeza, te “humildando” (com licença, mestre Rubem Alves) para nós, a cada vez que te curvavas, mostrava o quando eras maior.
“ – Obrigada, senhores!”… “Obrigada, São Paulo!”…
– Como assim?
Deusa humana nos dando o céu rosado e… agradecendo… e abraçando!
– “Menina, conta pra mim, como fazes aquilo? Com quantos anjos e santos entras no palco e dizes? É com tua mãe, teu pai, teu povo?”
Em dado momento, confesso, tive a impressão de que chamarias a nossa atenção, que pedirias que cessasse esse tempo de ódio e intolerância. Tua voz teria mais força que a do Papa e… obedeceríamos. E morreríamos de vergonha!… que tudo o que você diz, menina de Iansã, lá, no palco, vem com uma verdade que… não vem só de ti!… A plateia silencia, porque não há escolha. Não há como falar.
“– Ah, menina sapeca da saia rodada, que no giro teu faz tudo, tudo rodar! Me conta, de onde vem tanta energia e tanta delicadeza?”
Do meu lado havia um garoto, sabem? Choroso igual a mim. Em dado momento, olhou-me, depois de procurar a quem dizer o que não cabia também em si e, sem me conhecer, falou no silêncio mais nítido:
“- Você viu isso?”
Respondi que sim. E nos reconhecemos irmãos ali, abençoados por aquela Beleza assombrando o redor de tantos acasos inefáveis…
E a cada vez que nos deixava, uma sensação de orfandade e medo ficava no limite de nos aterrar. Até que voltava, trazendo o ar e o céu e todas as águas de Oxum…
“- Quanto orgulho, menina!”
Orgulho da Umbanda, só nossa!
Orgulho da Bahia, só nossa!
Orgulho de Maria, só nossa!
“ – Agora, senta aqui bem do meu lado, menina, e me conta…
Mas me conta, sem a esperança de que eu entenda, que sou comum demais.
E me perdoa por não entender tudo, por não poder nem te abraçar, nem te agradecer…
“– Saravá, menina de Oyá! É assim que se diz? Perdoa também esse mau jeito, essa ignorância por não saber dizer… essa impotência!
Que não cabem em mim as vozes todas do Morro da Mangueira para te en… cantar; que não há em mim a inspiração da Formiga, para saber louvar tua Beleza; que não há em mim a voz da Cigarra, para te cobrir de sons…
“– Saravá, menina! Menina do Brasil nosso… Menina dos olhos de Oyá!
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