No Brasil afora, habitado por muitos Raimundos e Nonatos, vez ou outra a junção dos dois batismos abençoa um mesmo indivíduo. O Raimundo Nonato, mais conhecido pelos companheiros de cela como “esse tal de alegrinho”, o Alecrim, não é apenas um personagem do cinema brasileiro, e sim o cozinheiro encarcerado dessa fábula culinária.
O filme Estômago (2007), sob direção de Marcos Jorge, conta a história do migrante nordestino Nonato na cidade grande. Cabisbaixo, tímido e medroso, o personagem vivido por João Miguel retrata a típica visão que os habitantes do Sudeste brasileiro costumam ter dos trabalhadores nordestinos. Não importa o Estado, da Bahia para cima, é nordestino, e generalizado. Esse preconceito que Nonato sente, mas não percebe, permeia toda a trama do filme, mas não é o foco principal da história.
Com influências da cultura italiana, o diretor Marcos Jorge, que viveu na década de 1990 na Itália, deixa claro que o tema do filme é a culinária. Não importa o menu sofisticado, a coxinha do boteco de esquina em meio aos bêbados e prostitutas torna-se a ascensão culinária de Nonato. A partir dela, ele sai do muquifo da cozinha de bar e vai aprender a arte do cozinhar no restaurante familiar do chef Giovanni (Carlo Briani).
Como todo bom filme sobre cozinha, Estômago causa vontades. Algumas delas aparecem de forma sutil, no modo de se ver a história e no tipo de atenção que pega o espectador. Há aqueles que ficaram com vontade de sexo ao verem as cenas da prostituta esfomeada Íria (Fabiula Nascimento), aqueles que passaram fome com o Romeu&Julieta de gorgonzola com goiabada, e ainda aqueles na qual foi despertada a vontade mais perigosa: o poder.
Nonato acaba preso e, como o filme não é de fácil digestão, há comidas que devem ser engolidas a contragosto. Encarcerado em meio aos prisioneiros fétidos e a comida podre, não demora muito para o poderoso chefão Bujiú (Babu Santana) e os companheiros de cela notarem os talentos gastronômicos do cozinheiro e começarem a tirar vantagem disso. Nonato, que é muito do esperto, se agarra novamente à cozinha como forma de ascensão carcerária, para ganhar o beliche mais alto e quem sabe ter o poder em suas mãos.
A trama acontece em dois mundos, um na história do Nonato trabalhador mal-tratado na cozinha do Seu Giovanni, e a outra do Nonato ou Alecrim, cozinheiro chef e vivido do presídio. Um Nonato, outro Alecrim, duas comidas diferentes que se temperam num emaranhado de ingredientes para contar a trajetória desse personagem e entender que comida ele pretende assar.
Um filme cheio de gentilezas e sutilezas duvidosas, que confundem até o olhar mais preciso de um grande chef. Nessa história, cada cena representa um ingrediente dessa picante receita, que na hora de temperar, é preciso dosar para apreciar o desfecho ou começo da trajetória do Alecrim.
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