Certamente você já ouviu falar a respeito do tal Clube dos 27, a sombria coincidência que envolve a morte de grandes nomes da música aos 27 anos. E não estamos falando de artistas quaisquer: Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Brian Jones (Rolling Stones), Robert Johnson, Amy Winehouse – todos esses tiveram o mesmo destino. Goste você ou não da arte de cada um deles, temos que concordar que o mundo perdeu bastante com a morte precoce de músicos tão promissores, no auge de seus talentos. Alguns dirão que a vida não é justa.
Se servir de consolo, peço licença para contar uma história ainda mais infeliz. Era uma vez o Rei de Chicago. Chamado de Baby Huey, ele tinha a cidade aos seus pés. Mesmo em tempos difíceis de segregação, era aclamado por brancos e negros, e multidões o seguiam onde quer que ele se apresentasse. Não era belo, mas mesmo assim, havia mil garotas a fim. Tinha 180 quilos de alma, e uma voz que pesava mais de uma tonelada. Mas antes que o mundo todo soubesse disso, Baby Huey morreu sem completar 27 anos, e sem ver seu único disco gravado ser lançado.
Para entender o “tamanho” do frenesi causado por James Ramey (seu nome de batismo), acompanhado por seus Babysitters, é preciso tentar visualizar as lendárias apresentações da banda nos clubes em que tocaram de 1964 a 1970. A começar pela emblemática figura de Baby Huey, um rapaz literalmente enorme, pulando e dançando enlouquecidamente, enquanto combinava seus refrões harmoniosos com urros e gemidos emocionados, misturando James Brown e Tim Maia em um mesmo corpo. Conta-se que aqueles que o viam pela primeira vez em ação, corriam para um telefone e chamavam todos os amigos que conseguiam, para que vissem Baby Huey com seus próprios olhos. Seria difícil explicá-lo de outra maneira.
Mas não era só isso. O funk tocado pelos Babysitters falava por si só. A banda montada inicialmente com os amigos de infância de Huey, Melvin Jones e Johnny Ross, era genialmente explosiva. Mais do que dançante, o som dos Babysitters era psicodélico: seduzia com flautas doces e solos de guitarra para, de surpresa, explodir com metais – como uma torcida que acompanha o ataque atentamente para, em seguida, romper em euforia com o gol. No repertório sucessos da Motown a clássicos dos Beatles, tocados para plateias que chegavam a transbordar para fora das casas de shows, alucinadas com a atração mais comentada da noite de Chicago.
Com a fama aumentando, shows em várias cidades e alguns singles gravados, era uma questão de tempo uma oportunidade grande aparecer. Em 1970, Marv Heiman, o empresário da banda, convidou o jovem cantor de soul Donny Hathaway para assistir uma apresentação de Baby Huey e os Babysitters. Impressionado, Donny trouxe Curtis Mayfield na noite seguinte, que na época era dono de um selo chamado Curtom. Ao fim do show, Curtis convidou a banda para gravar seu primeiro disco.
Curtis, que havia acabado de deixar o The Impressions para seguir em carreira solo, escreveu algumas canções para o disco – como Mama Get Yourself e One Dragon Two Dragon – e aperfeiçoou sua composição antiga Mighty, Mighty. Da mesma época é a gravação da melhor versão do hino A Change is Gonna Come, de Sam Cooke, transformada em um funk rasgado e enfeitada com delays dignos de um autêntico dub jamaicano. No meio da música, Baby Huey desfila versos que plantariam a semente do Rap muito antes do Sugar Hill Gang pensar nisso.
No meio das gravações, porém, Huey e a banda entraram em conflito por causa de questões contratuais e o cantor foi abandonado por seus dois amigos mais próximos, Jones e Ross. Deprimido como sempre fora, mesmo no auge, Baby Huey ainda havia desenvolvido um intenso vício em heroína, o que o empurrou ladeira abaixo. Faltando a shows e ensaios, seus amigos tentaram interná-lo em uma clínica para reabilitação, mas não adiantou. No dia 28 de outubro de 1970, Baby Huey, com cerca de 200 quilos, foi encontrado morto em uma suíte de hotel, aparentemente devido a um ataque cardíaco.
Para Heiman, o agente da banda, “a parte mais triste da história é que era uma questão de tempo até ele se tonar uma grande estrela – poderia levar alguns anos, ou alguns discos, mas era algo inevitável”. Seu enterro foi o maior que Richmond, sua cidade natal, já tinha visto. Mais de 100 carros seguiram o caixão do cantor, além das mais de 300 pessoas que vieram de Chicago para se despedir daquele que tantas vezes os havia feito cantar e dançar.
No mesmo ano, Curtis Mayfield decidiu lançar o disco de Baby Huey e os Babysitters com aquilo que já tinham gravado. Chamado de Livin Legend, ou Lenda Viva, o álbum representava o último testamento do cantor. Embora não tenha alcançado o sucesso que merecia, o único registro de Huey influenciou muita gente, sendo sampleado inúmeras vezes por artistas como Public Enemy, A Tribe Called Quest, Ice Cube, entre outros. Que da mesma forma sua música possa nos inspirar também e que seu nome seja sempre lembrado, para que assim as noites em que os Babysitters brilharam nunca sejam apagadas. Longa vida à Baby Huey!
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