Em 5 de janeiro de 1941, na cidade de Tóquio, nascia o menino Hayao Miyazaki em meio aos eventos da Segunda Grande Guerra. Segundo de quatro irmãos, Hayao viu sua mãe passar nove anos de cama e doente com tuberculose vertebral. Teve que mudar diversas vezes de escola e se apaixonou por aviões, já que seu pai e um tio trabalhavam com construção aeronáutica, sobrando para o garoto desenhar os modelos que mais gostava. Ele chegou à faculdade e se formou em Ciências Política e Econômica.

Como muitos garotos do pós-guerra, ele começou a desenhar mangás na escola, queria fazer isso na vida. Desenhava tanques, aviões, navios e principalmente pessoas. Logicamente a presença do mestre Osamu Tezuka, entre outros, influenciaram o desenho de Miyazaki, mas logo percebeu que deveria fazer algo diferente.

Trabalhou entre 1963 e 1971 na Toei Animation, exercendo diversas funções, até mesmo de Secretário-Chefe do sindicato da empresa. Casou-se com uma colega de trabalho e teve dois filhos naquele período. Decidiu deixar a empresa que cada vez mais dava lugar às produções para a televisão e menos para o cinema. Mas durante a década de 70 acabou trabalhando para outras empresas, participando de séries e filmes, criando conceitos,  cenários, roteiros, figurinos; como instrutor de iniciantes, etc. Até que, em 1982, ele cria um manga chamado “Kaze no tani no Naushika” ou, em português, “Nausicaä do vale do vento” transformado em um filme em 1984. Tanto o manga, quanto o filme, foram um tremendo sucesso e Miyazaki, com o dinheiro ganho, pode investir em seu próprio estúdio, o Ghibli.

Individualmente, logo abaixo, falarei sobre alguns filmes de Miyazaki no famoso Ghibli. É importante não deixar passar algumas características recorrentes dos filmes do diretor. A natureza é tema marcante, personagens que se preocupam com florestas, rios, animais e têm profundo respeito pelos espíritos, deuses, demônios e monstros que dominam esses lugares, em face ao progresso destruidor dos homens, de suas fábricas, pelo excessivo gosto pelo dinheiro e o poder. Lógico que há uma mistura de realidade com temas mitológicos tão marcantes na rica e milenar cultura japonesa. O que, como ideal, faz lembrar Gabriel Garcia Márquez e sua Macondo em “Cem Anos de Solidão”.

A quantidade de personagens femininas protagonistas é enorme. São heroínas que precisam defender seu lugar, seu povo, suas convicções, ou, descobrir um mundo novo que se abre para novas experiências e aprendizado. Nunca se submetem aos homens, numa ruptura ao machismo latente na cultura japonesa. Nesse tema do aprendizado, geralmente os protagonistas são crianças ou jovens que assumem responsabilidades em que, normalmente, os adultos falham.

Quando ele na escola desenhava seus tanques e aviões, isso o ajudava a se tornar um desenhista melhor. Mas seus filmes têm uma mensagem antimilitarista e pacifista. Notadamente um sintoma de ter vivido períodos de guerras e a crítica à inutilidade de tudo aquilo. A temática do amor parece sempre vir acompanhado de uma doença da ausência; personagens caem de cama, tem febre, sofrem. Creio que Miyazaki tenha sofrido isso em relação à sua mãe doente durante tantos anos. Mas este amor também traz confiança, força e seu poder pode mudar tudo na vida das personagens. Em quase todos os filmes alguém voa, a liberdade de um avião, de um planador, de um dragão, de asas, levantando voo, sobrevoando lugares lindos e preparando as personagens para entrar em contato com algo adiante.

Hayao Miyazaki é um mestre na arte de encantar. Seus filmes nos transportam para mundos interessantíssimos e únicos. Suas criaturas, quase sempre estranhas e horripilantes, transbordam sentimentos que os humanos deveriam aprender a respeitar. Suas máquinas fantásticas fascinam pela criatividade e profundo conhecimento de mecânica. As cores explodem na tela em cenários oníricos. É impossível não se apaixonar por alguma personagem onde as simpatia e empatia andam juntas. Ele não faz questão de criar histórias onde haja uma disputa explícita entre heróis e vilões, as disputas individuais nunca se sobrepõem às preocupações coletivas. Miyazaki tira de cada coração adulto aquilo que ainda há de criança, isso é tão difícil de conseguir, só um talento como o dele pode sintetizar uma vida num gesto de coragem e devoção de uma personagem. Uma amostra de seu amor pelo trabalho, e de certa forma pela tradição, é que, até hoje, desenha sobre a película, quadro a quadro, sem ajuda de computadores que servem somente para colorir algumas partes dos cenários. Enquanto a Disney há algum tempo anunciou que desistiria dos desenhos bidimensionais, Miyazaki se sente seguro naquilo que aprendeu com tanto trabalho e paciência. Mesmo assim a Disney hoje é a principal parceira de Miyazaki distribuindo seus filmes no ocidente.

Sua obra toda vale a pena ser vista e reverenciada.

 

Que tal conhecer alguns filmes de Hayao Miyazaki?

 

NAUSICAÄ DO VALE DO VENTO (1984)

Nausicaä é a bela princesa do Vale do Vento. Um dia, o vale é invadido pelos soldados de Tolmekia e matam o rei. O desejo deles é devolver à vida um gigante guerreiro adormecido há mil anos para destruir as criaturas da selva tóxica formada por enormes insetos. Nausicaä que se comunica com esses animais e os admira, precisa salvá-los da destruição e, ao mesmo tempo, precisa ajudar o povo de seu vale, refém dos Tomekia da iminente catástrofe do ataque dos insetos.

Neste filme, há uma grande influência do universo criado pelo quadrinista francês Moebius (Jean Giraud), amigo de Miyazaki e que se dizia igualmente influenciado pelo japonês.

Nausicaa, na “Odisseia” de Homero, é filha do rei Alcínoo. Ela brincava na praia com algumas amigas, com a luz do sol brilhando sobre ela irradiando uma luz dourada, quando avista um homem, as amigas fogem, ela fica. O homem é Ulisses, e ela o ajuda após o naufrágio do herói. A luz dourada aparece no filme de Miyazaki envolvendo Nausicaä.

 

 

MEU VIZINHO TOTORO (1988)

Duas meninas e seu pai mudam-se para o interior do Japão para ficarem mais próximos da mãe que está internada num hospital passando por um longo tratamento. Na casa as meninas descobrem “espíritos de fuligem” por causa da casa velha. Descobrem também pequenos animais chamados Totoros, que as levam à uma grande árvore, e lá veem o grande Totoro dormindo. Ele é o espírito guardião da floresta.

Qual o objetivo da história? Esperar que a mamãe se recupere e volte para casa. Assim as meninas passam seus dias com Totoro brincando, plantando nozes, esperando no ponto de ônibus o pai voltar do trabalho, sempre com o pensamento em sua mãe. Não há inimigos ou disputas, o que vale é descobrir mais e mais sobre os segredos daquele lugar.

Totoro muito provavelmente é a personagem mais conhecida e admirada do universo de Miyazaki. Além de ser transformado em logo da Ghibli, Totoro vem com os anos ganhando muitos admiradores e homenagens. O boneco de Totoro aparece em “Toy Story 3”, num episódio de South Park, e até mesmo Neil Gaiman em sua série Sandman fez com que um Totoro aparecesse numa de suas histórias.

Totoro não diz uma palavra, mas seus gestos comunicam tudo.

 

 

O SERVIÇO DE ENTREGAS DA KIKI (1989)

Kiki fez 13 anos de idade e como aprendiz de feiticeira, precisa viver um ano numa cidade grande. Ela pega sua vassoura voadora e seu gato preto falante Jiji e se instala numa cidade portuária chamada Koriko. Lá, para se sustentar, tem a ideia de fazer entregas de uma mercearia com a sua vassoura. Na cidade, ela conhece o garoto Tombo, que fica perdidinho por Kiki e faz de tudo para conquistá-la.

Kiki também tem como objetivo aprender a se virar sozinha e melhorar sua magia. O filme também é muito sensível no desenvolvimento da relação de Kiki e Tombo, a ponto de Kiki perder seus poderes por causa do amor ao garoto.

A inspiração de Miyazaki para criar a cidade de Koriko foi a cidade sueca Visby entre outras cidade europeias tradicionais. Confesso que vejo ali, Paris, Munique e Roma.

 

 

PORCO ROSSO (1992)

Marco Pagot é um experiente aviador que lutou na Primeira Grande Guerra. Foi amaldiçoado com uma cabeça de porco em seu corpo após ter visto os espíritos dos combatentes mortos na última batalha que enfrentou. Conhecido como Porco Rosso, ele trabalha com resgates de pessoas que são sequestradas por piratas do ar. Porco é apaixonado por Gina, que é cortejada por Curtis, um piloto americano contratado para ajudar os piratas a se livrar de Porco. O que gerará muita competição entre os dois grandes pilotos.

A história se passa no período entre guerras no mar Adriático. O filme também mostra um pouco o regime fascista crescendo na Itália, o crash na bolsa em 1929, entre outras situações da época.

Neste filme Miyazaki explora sua paixão pelos aviões, até mesmo a cena da reconstrução do avião de Porco Rosso claramente demonstra paralelos com aquilo que viu quando criança com seus parentes. Mas ao invés de um homem, quem reconstrói o avião é uma moça chamada Fio. Novamente quem manda são as mulheres.

 

 

PRINCESA MONONOKE (1997)

Mononoke-Hime, nome original em japonês, foi a maior bilheteria da história do Japão até Titanic desbancá-lo. A história se passa no período Muromachi, (séculos 14 ao 16). Um demônio possui um grande javali e ataca a aldeia Emishi. Seu príncipe Ashitaka, mata o animal, mas recebe uma maldição e é forçado a deixar a aldeia para procurar a cura com os espíritos da floresta habitada por deuses-animais. Ele chega a uma cidade onde se produz carvão e ferro fundido para construção de armas de fogo, mas os animais estão em batalha contra a fábrica que destrói a sua floresta. É aí que Ashitaka conhece San, a princesa Mononoke que foi adotada por uma deusa-lobo e protege a floresta da ganância humana.

Aqui, pode-se dizer que há um lado ruim, a Cidade de Ferro, que é muito parecida com qualquer cidade grande do mundo com todos os seus problemas sociais. A cidade que invade a floresta e quer se ver livre dos espíritos protetores. Mas, de certa forma, ao final, fica a sensação de que tudo é um ciclo, e que a paz é algo temporário.

Creio que seja o melhor trabalho de Miyazaki, é um épico complexo em sua narrativa. As cenas dos animais e espíritos são brilhantes e, de certa forma, desconcertantes. San, a princesa Mononoke é a personagem mais bela de suas criações, e também a mais forte no que diz respeito a sua obstinação em proteger o seu mundo. É um filme com um conteúdo mais adulto, como Porco Rosso.

 

 

A VIAGEM DE CHIHIRO (2001)

O trabalho de Miyazaki foi reconhecido e conhecido mundialmente por causa de uma garotinha entediada, mimada, curiosa e medrosa chamada Chihiro, mas que no fundo está muito triste por deixar sua cidade natal para se mudar para outra com seus pais. Mas ao chegar a cidade, por um atalho, eles descobrem um lugar estranho que dá para uma cidade deserta. Lá, os pais de Chihiro começam a devorar toda a comida que há, para desespero da menina, os pais se transformam em porcos. O jovem Haku aparece para ajudar a garotinha que se vê num mundo de espíritos e monstros. Ela começa a trabalhar para a bruxa Yubaba, que é dona da casa de banho para os espíritos. Chihiro precisa superar seus medos para conseguir fazer com que seus pais voltem ao normal algum dia e que eles possam ir embora daquele lugar para não ser escrava para sempre da bruxa.

Com influência de Alice no País das Maravilhas, Pinóquio, das lendas japonesas, Miyazaki constrói a passagem da infância ao mundo adulto, da inexperiência à experiência, da vida social conhecida para o mundo desconhecido e do Japão moderno para as velhas tradições esquecidas pelas novas gerações. Chihiro tem o percurso do herói mitológico que entra num novo mundo para superar seus defeitos e resgatar o que lhe foi tirado.

O filme ganhou um Oscar de Animação em 2003, levou também o Urso de Ouro do festival de Berlim em 2002, entre dezenas de indicações e prêmios.

 

 

O CASTELO ANIMADO (2004)

Sophie trabalha numa chapelaria e um dia conhece um mago chamado Howl que a salva de alguns oficiais do exército enquanto se dirigia para a casa da irmã. A Bruxa das Terras Abandonadas, que persegue Howl, joga um feitiço em Sophie que, de dezoito anos passa a ter noventa. Para quebrar o feitiço ela acaba indo sem saber, com a ajuda de um espantalho, à casa de Howl. Ali conhece o demônio Calcifer que propõe a ela um trato para ajudá-lo a se livrar de um contrato que o liga a Howl. Sophie começa a trabalhar como faxineira da casa e com o tempo se apaixona pelo mago, que é obrigado a lutar contra um reino vizinho e participar de uma guerra.

A história de Miyazaki é baseada no livro de Diana Wynne chamado “Howl’s Moving Castle”. Mas e o tal Castelo Animado? O castelo é um show à parte, já que ele se movimenta e guarda todos os segredos de Howl e do demônio Calcifer. Onde já se viu um castelo andar, ter vida própria? Ah! sim, com Miyazaki tudo é possível!

 

 

PONYO (2008)

Brunhilde é uma menina peixinho-dourado que vive com seu pai Fujimoto no fundo do oceano. Num dia, curiosa, Brunhilde quer saber como é a civilização e acaba dentro de uma garrafa no mar que fica presa numa rede de pescadores. É encontrada pelo menino Sosuke, que a começa a chamar de Ponyo, prometendo protegê-la para sempre. Mas o pai de Ponyo não quer que a filha encontre humanos por todas as tragédias que eles aplicam aos seres do mar. O pai a resgata, mas, revoltada, ela deseja se tornar humana, pois se apaixonara por Sosuke, o que acontece com ajuda de uma magia. Mas sua atitude provoca consequências na vida marinha que se torna perigoso para todos os humanos.

Ponyo é um filme tão próximo às crianças quanto Totoro. Uma das purezas aqui exploradas é o amor aparecendo entre as crianças de uma forma de necessidade do outro e profundo respeito e dedicação. Como em Chihiro.

O filme é muito crítico em relação à poluição dos mares, da pesca predatória, do desequilíbrio ambiental provocado pelo homem. O discurso é direto e tocante.

 

E mais uma galeria de fotos dos filmes de Miyazaki. Arigatô, Sensei!

 

 

 

 

 

 

 

 

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