A indicação veio em uma manhã de terça-feira. Precisei ouvir apenas os primeiros 30 segundos da suave Voices para me sentir passeando pelas ruas da Concrete Jungle cantada por Bob Marley no Catch a Fire. Alguns minutos depois já estava escutando o disco inteiro, o sensacional Bad Bad Things (2010), e me perguntando como aquilo nunca tinha chegado aos meus ouvidos antes. Desta forma conheci o produtor musical e multi-instrumentista Blundetto.
E que apresentação! O primeiro disco do produtor francês é um convite irrecusável para dentro de um universo onde o dub, o soul, o jazz e a música latina se misturam sem esforço. O relógio já marcava 18 horas e Bad Bad Things ainda era a playlist. Com o espírito acalmado pela hipnótica trilha sonora, me lembrei do êxtase sentido ao som da escaleta de Augustus Pablo e o balanço do Buena Vista Social Club.
Tudo isso não à toa: Blundetto está acompanhado nesta obra pelos metais do Budos Band, a musicalidade de Shawn Lee, a voz doce da cantora Hindi Zahra, o afrobeat digital do Chico Mann, entre outras parcerias de peso, como as participações do rapper Lateef, o músico e skatista Tommy Guerrero, e os também franceses do General Elektriks. Aqui se aplica a antiga parábola do “diga-me com quem andas”.
Foi então que descobri um segundo disco do alquimista Blundetto, Warm My Soul, lançado em 2012 pela Lucien Entertainment (representante da Stones Throw Records no mercado francês). Com altíssima expectativa apertei o play, imaginando de que forma poderia ser surpreendido após um primeiro contato tão rico – e difícil de ser igualado. A resposta veio logo na primeira faixa do álbum, Rocroy, o reggae com pitadas de Mulatu Astatke, assinado em conjunto com a banda Akalé Wubé.
É destes parisienses a missão de substituir o Budos Band na cozinha de Warm My Soul, parceria que resulta em ótimas misturas à base de afrobeat. São os casos de Crowded places (que seria traduzido em São Paulo como “lugares encraudeados”), e I’ll Be Home Later, uma fina junção de rap e jazz latino. Além do Akalé Wubé, Shawn Lee e Tommy Guerrero acrescentam uma vez mais seus talentos aos cuidados do maestro Blundetto. Destaque para a guitarra suave do skatista em Final Goodbye, e a instrumental Since You’ve Been Gone.
Assim como em Bad Bad Things, o produtor francês executa em seu segundo disco uma excelente combinação entre o soul e o flow. Não seria exagero nenhum sentir em It’s All About uma veia de Isaac Hayes, com seu ritmo crescente e harmonioso. O mesmo vale para a releitura do clássico Hercules de Aaron Neville (chegado em uma mistura de ritmos africanos desde os anos 60), renovada nessa versão por Hugh Coltman.
Quem é fã de música jamaicana, ainda poderá imaginar Hugh Mundell cantando quando escutar os falsetes de Courtney John (também nascido na ilha) em Warm My Soul e Treat Me Like That, minhas preferidas no disco. Ainda há tempo para o ragga de Walk Away Now, e assim se encerra um álbum que tem tudo para ser trilha sonora dos seus dias por muito tempo. Embora não me seja enviado um euro por recomendação, fica aqui o meu conselho (aos moldes de Almir Guineto) a todos os apreciadores de boa música.
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