Jorge Ben -1969- Jorge Ben capa

Há poucas coisas mais bonitas no futebol do que presenciar os extraordinários encontros entre mentes brilhantes que se combinam. Jogadas decididas por olhares, passes dados por telepatia, movimentos em harmonia. Assim eram as seleções brasileiras de 58, 62, 70, 82. Tão espetacular sintonia, que costumava-se dizer sobre tais equipes: jogam por música.

A expressão retrata muito bem a magia do futebol canarinho. Mas que frase poderíamos usar para descrever a situação inversa: craques da música que desfilam sua ginga, técnica e união em formas de batuques e acordes? Não se descreve. Apenas se comemora, como faz a torcida ao gritar gol.

Assim como no futebol, o Brasil tem também na música uma imensa lista de times campeões. Alguns conquistaram o Brasil, outros a América, outros conquistaram o mundo ao jogarem o fino da bola no Japão. Se enquanto o Palmeiras ainda não me deu a última dessas três alegrias, meu time na música já havia levantado os três canecos antes de terminar o ano de 1972. Estou falando do Time do Ben: o Babulina e o Trio Mocotó.

E este vinha a campo com a seguinte escalação: Joãozinho Parahyba, em sua timba misturada com bateria, fazendo a defesa. Fritz Escovão e sua cuíca ácida, caindo pelas pontas. O abstêmio Nereu Gargalo, conectando o jogo com seu pandeiro. Na frente, vestindo a camisa 10, artilheiro e ídolo da torcida, flamenguista de coração, sambista de ofício, Jorge Ben. Juntos eles inventaram um esquema tático que viria a ser eternamente reproduzido: o Samba-Rock.

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E isso aconteceu da seguinte forma: o trio era banda de apoio em uma boate paulista chamada Jogral, onde acompanhava artistas como Cartola, Clementina de Jesus, Hermeto Pascoal, Nelson Cavaquinho, entre outros. Na época, Jorge Ben estava morando em São Paulo e costumava dar algumas canjas na tal casa. Joãozinho explica o encontro em um documentário: “Nesse dia, o Jorge veio com uma batida de violão que ele tinha, que era uma batida diferente, e a gente teve que criar uma batida diferente pra combinar com o violão dele, que não era uma batida de samba tradicional. Aí foi que surgiu o samba-rock”.

Chamados de Trio Mocotó, em alusão a uma gíria que usavam para descrever as coxas (e não só as coxas) das morenas que sambavam no Jogral, Nereu, Fritz e “Comanche”, acompanhados de Jorge Ben, assinaram na própria boate um contrato com a Philips para a gravação do disco de 1969 do Babulina, que incluiu sucessos como Que Pena, Domingas, País Tropical, Take it Easy my Brother Charles, Cadê Tereza e Bebete Vambora.

O disco seguinte, de 1970, é o meu preferido. Ao mesmo tempo em que traz a simplicidade de letras e arranjos característica de Ben, Força Bruta é um álbum com camadas: se você fechar os olhos, consegue distinguir cada instrumento sendo bem tocado, além de diálogos e outros improvisos entre Jorge e o Trio Mocotó. Deste disco são Oba, lá vem ela, Zé Canjica, O Telefone Tocou Novamente e o hino Charles Jr.

Ali estava o manifesto da batida perfeita. É claro que, em se tratando de Jorge Ben, poderíamos elogiar diversas outras fases, como a dos primeiros discos, em que foi acompanhado por J. T. Meirelles, a época do Tábua de Esmeraldas ou ainda África Brasil. Mas isso só prova que o cantor carioca teve mais de uma fase genial. Enquanto alguns são consagrados por um ou dois grandes discos, Jorge Ben foi brilhante tocando samba jazz, samba rock, samba soul, samba funk e outros estilos que ele mesmo ajudou a criar.

Campeões em Força Bruta, Jorge e o Trio Mocotó excursionaram pelo mundo, sendo convidados a tocar também no Japão, como fazem os maiores times da América. Embora seja oficialmente de 1972, Jorge Ben On Stage, disco gravado a partir de um show na terra do sol nascente e jamais lançado no Brasil, tem tudo para ser de no máximo 1971. Isso porque, mais ou menos nessa época, começariam as gravações do disco Negro É Lindo, do qual o Trio não participou.

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Nesse show ficou registrado para o mundo o melhor futebol de Ben e seus companheiros. A qualidade da gravação não é excelente, como também não o são os vídeos de Didi, Garrincha e Pelé, mas o repertório reúne as melhores jogadas da carreira do cantor carioca. Embora os japoneses tenham presenciado uma goleada, considero como gol do título a faixa a seguir. Tempos românticos do samba-rock, para ouvir, aprender e se alegrar como se fosse uma vitória em dia de clássico. Afinal, quer mais clássico do que isso?

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