“Que tempo bom, que não volta nunca mais”. Nos últimos dias 19 e 20 de novembro durante a festa Mestres da Soul, promovida pela Boia Fria Produções em comemoração ao Dia da Consciência Negra, o tão conhecido refrão de Thaíde deixou de fazer sentido por algumas horas. Com a presença de ícones como a banda Black Rio, Hyldon, Tony Tornado, Gerson King Combo, Lady Zu, Di Melo, Paulo Diniz, Carlos Dafé e Luis Vagner, a época de ouro da black music brasileira foi mais do que relembrada, foi revivida por quem compareceu à Praça das Artes, região central de São Paulo.
Alguns dos maiores nomes de nossa música estavam lá, colocando a conversa em dia nos bastidores, improvisando parcerias no palco, desfilando — em sintonia perfeita com a Black Rio — sua sonoridade, suas raízes. Precursores do orgulho de cor e cultura que alimentou o surgimento do Hip-Hop por aqui, os Mestres da Soul puderam receber o devido carinho e reconhecimento do público — de crianças que balançavam nos ombros de seus pais ao som do groove, aos jovens dos anos de 1970 que puderam tirar suas coreografias do armário.
Eram os samples dos raps que hoje representam a juventude, tocados organicamente, com soul e o mesmo punch de outras épocas. Que o digam Gerson King Combo (vestido como um autêntico Mestre da Soul), a diva Lady Zu, o pernambucano Di Melo (acompanhado pela brilhante Gabi, sua filha, de 7 anos) e o guitarreiro Luis Vagner (assim apelidado por Jorge Ben), que transportaram os presentes direto para as pistas efervescentes dos bailes Black de outrora — como em um episódio do programa Soul Train. Rolou até uma canja não ensaiada do carioca Bnegão, que foi para assistir e acabou participando com King Combo e depois Di Melo.
Foram dois shows carregados de sentimentos, que proporcionaram momentos inesquecíveis como os hinos de Dafé e Hyldon sendo cantados em uma só voz, marejando os olhos e derrubando as barreiras entre os corações. Dafé com a clássica “Pra Que Vou Recordar o Que Chorei” e o soul gospel “A Cruz”, e o velho camarada Hyldon com o romantismo lisérgico de “Na Sombra de Uma Árvore” e a tão pedida “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”.
Além deles, Paulo Diniz, mesmo com as dificuldades impostas por problemas de saúde que limitaram seus movimentos, emocionou o público ao cantar um de seus maiores sucessos como intérprete, a balada “Como?”, escrita por Luis Vagner — que acompanhou o amigo durante a canção. Maior do que o corpo é a alma de um grande artista.
Grande precursor de toda essa história, a apresentação de Don Tony Tornado foi um dos pontos altos da festa. Com seus inacreditáveis 83 anos de swing e atitude, o cantor mostrou que a força do Black Power ainda o acompanha – aplaudido pelo público, admirado por todos os outros Mestres. Ao lado da Black Rio, a melhor banda de apoio que um show assim poderia ter, Tony Tornado resgatou a vencedora do Festival Internacional da Canção, “BR-3”, e a emblemática “Podes Crer Amizade”.
No feriado criado para homenagear a luta do povo negro, a Mestres da Soul reuniu autênticos representantes desse bom combate, homens e mulheres que enfrentaram o racismo da sociedade e conseguiram mostrar ao mundo a força e a beleza de sua cultura. Mais do que isso: a arte de cada Mestre convidado apenas refletiu o brilho de tantos outros Sebastiões, Paulos, Cassianos, Wilsons, Elzas e Jorges menos conhecidos, que provam seu valor diariamente longe dos palcos.
A SOUL ART agradece à Boia Fria Produções pela iniciativa, à Revista Efêmero Concreto pela parceria, à Fundação Theatro Municipal, aos artistas envolvidos e a todos que compareceram nessa festa histórica.
Confira como foi:
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