Ainda na segunda-feira, dia de protestos no Rio contra os gastos com a vinda do papa e contra o governo de Sérgio Cabral, um vídeo foi postado no Youtube para logo em seguida ser retirado. Mostrava um homem de camisa preta com estampa branca, calça escura e mochila preta, com o rosto coberto, atirando um coquetel molotov contra a tropa de choque. Ao lado dele, um homem que o ajuda, vestido de maneira parecida.
O estopim da violência começou com o lançamento de um coquetel, que deixou dois policiais feridos.
O link original do vídeo foi bloqueado pouco depois de ser divulgado. Não se sabe porque, mas alguém não queria que aquilo fosse à tona. Tarde demais. As imagens foram repostadas por outros perfis e ganharam até a página do The New York Times na internet, em uma cobertura que o jornal fez sobre os eventos do dia 22.
Enquanto a velha mídia nacional batia sucessivamente na história de que manifestantes de grupos extremistas agrediam a Polícia com bombas caseiras, as imagens estavam todas na rede, sendo enviadas em tempo real das praça de combate do Rio de Janeiro, esperando para que o mistério fosse resolvido e a verdade revelada. Dois manifestantes acabaram presos e o caso do molotov parecia resolvido. Um “baderneiro” atentou contra a polícia no meio da multidão e está preso. Fato é que o preso não era o culpado e o culpado não era quem se esperava.
Precisou um jornal estrangeiro de renome – que, diga-se, está longe de ser um veículo de vertente esquerdista – dar ouvido às ruas para que a verdade ganhasse espaço. A reportagem especial do site estadunidense usou os vídeos postados na rede para revelar ao mundo, antes que o próprio brasileiro soubesse, que havia no ar indícios de uma conspiração dentro das manifestações, organizada pela Polícia do Rio, para agredir pessoas, patrimônios e – por mais insano que pareça – a própria Polícia.
Assim, se a imprensa americana noticiou, ficaria muito estranho para a mídia nacional ocultar as evidências de podridão que cercaram as repressões nos protestos. Após noticiar ao longo de toda a terça-feira em seus diversos telejornais que a Polícia havia sido atacada por baderneiros e alguns haviam sido presos, dentre eles Bruno Ferreira Teles, acusado de ser o responsável pelo Molotov, a TV Globo reconheceu que o manifestante preso foi acusado falsamente. Uma matéria do Jornal Nacional apontou também que haviam policiais infiltrados na manifestação. Não foi bondade da Globo, foi vergonha de parecer cretina e incompetente ao olhos da mídia mundial.
O que a Globo não mostrou, mas que o NYT trouxe, foi a atuação de policiais no atentado contra a própria Polícia. Num dos vídeos veiculados no Youtube e usados pelo jornal estadunidense, dois homens de camisa preta saem da multidão em direção à Tropa de Choque. São abordados pelos policiais, revelam que são militares e são liberados. Em seguida, os dois se dispersam.
Os chamados P2s, policiais infiltrados, saem da multidão e se dispersam entre os membros da Tropa de Choque.
A Polícia do Rio não nega que use o serviço de inteligência para se infiltrar nas manifestações. Mas, ao que tudo indica, os policiais envolvidos não só se infiltraram como foram autores de atos criminosos contra a própria Polícia e contra os manifestantes.
Os P2s presentes no vídeo estão com a mesma roupa dos homens que atiraram o molotov, um deles com uma mochila e com a camisa de estampa clara, como pode ser percebido nas imagens.
A primeira imagem mostra a estampa na camisa preta, a mesma registrada com o P2 na segunda imagem, onde é possível vê-lo segurando a mochila.
Ações criminosas por parte da Polícia foram registradas também em outras partes do Rio, dessa vez contra os civis. Na Rua São Salvador, na Zona Sul, manifestantes foram atacados pela Tropa de Choque, que atirou contra eles com balas de borracha, à queima-roupa, depois de encurralá-los contra os carros parados na rua. Outros depoimentos dão conta de que P2s atacaram uma unidade das Lojas Americanas, ainda com clientes dentro. Em outra parte da cidade, atiraram com balas de chumbo, ferindo um rapaz e acertaram com um porrete a cabeça de um fotógrafo japonês.
Flagrante de covardia em rua do Rio.
Voltando ao caso do molotov, o policial que tirou a camisa após sair da multidão é o mesmo que persegue o manifestante Bruno Ferreira Teles ao lado de um policial do choque e o arremessa contra o chão. Depois disso, o P2 tira a camisa novamente, cobre o rosto e se evade. Bruno acabou preso, acusado do crime que o próprio P2 que o atacou é suspeito de ter cometido.
Bruno Teles está com uma camisa cinza e sem mochila.
P2 sem camisa na primeira imagem é o mesmo que ajudou a prender Bruno e depois fugiu. Ele ajudou o outro policial infiltrado que teria jogado o molotov contra os companheiros de corporação.
Essa sequência de atos absurdos evidencia que o Governo do Rio de Janeiro e seu aparato militar não estão dispostos a deixar que manifestantes saiam às ruas impunemente às vésperas de uma Copa do Mundo e de eleições estaduais. A ideia é desbaratinar as movimentações, seja por meio da força ou da desmoralização. O Estado tem agido nas duas frentes.
Não bastasse o aparato militar, as letras da lei também estão na ofensiva. Sérgio Cabral, o governador, assinou decreto que cria a CEIV, Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, o DOI-CODI do Cabral. A Comissão terá o direito de intervir nas manifestações e “praticar quaisquer atos” para averiguação dos chamados crimes de vandalismo, como aponta o artigo 2º da nova lei.
“Caberá à CEIV tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.”
O artigo 3º coloca as investigações sobre manifestações acima de qualquer outra demanda policial, até mesma em casos de crime contra a vida, como assassinatos e estupros.
“As solicitações e determinações da CEIV encaminhadas a todos os órgãos públicos e privados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição.”
Em um momento como este, é importante a conscientização da população em apoio aos manifestantes do Rio e a fiscalização sobre as atitudes terroristas da Polícia e do Governo fluminenses. Vale acrescentar que a verdade sobre os fatos, como sempre, está na órbita da grande mídia, que tem pisado em ovos para lidar com as manifestações. Àqueles que se interessam por defender os seus direitos, a ordem é de vigilância e ação constantes. O aparato repressivo não descansa, mas o povo também não.
Fotos: Midia NINJA
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