Conto: Chloé Pinheiro | Ilustração: Tom Carvalho
Fumava um cigarro em frente ao prédio aonde seu escritório se escondia, do outro lado da rua da Consolação, às portas do cemitério, repetindo o ritual celebrado no mínimo cinco vezes ao dia. Não pensava nos mortos nem em quando seria a sua vez nem no tédio do trabalho maldito que só aceitara porque precisava muito da grana, nem no que almoçaria com o pouco que tinha no vale-refeição.
Não hoje, pelo menos. Naquela manhã, pensava em como chegaria a tempo de buscar a visita que ocuparia sua casa (e sua cama, e sua vida) nas próximas semanas. A menina que conhecera da última vez que tinha ido visitar seus pais e com a qual passara uma semana incrível. Ela era incrível mesmo, e ele sabia desde a primeira vez que tinha botado os olhos nela: camiseta do Stooges tomando uma lata de cerveja do lado de amigas arrumadas tomando caipirinha de saquê. Depois ela disse que tinha preguiça de caras que tomavam banho depois de transar, antes de dormir. Daí ele teve certeza.
Marcaram de repetir a dose, dessa vez na casa dele. Bem longe da cidade não tão grande onde ela vivia e ele crescera. Ela chegou e ficou. Feliz, a princípio. A companhia mútua nos fins dos dias de trabalho era reconfortante pra ele, excitante pra ela. Ele sempre era o primeiro a dormir pós-sexo, cansado demais. Ela reparou que ele quase não saía. Não tinha dinheiro e a cerveja era bem mais cara do que lá. Ela não podia fumar embaixo dos toldos dos bares e foi empurrada no metrô. Ele, na ânsia de dar atenção a quem ficou o dia todo em casa esperando por ele, não tocava mais a guitarra que tentava manter em uso. Isso se a vizinha estivesse de bom humor. Se ele não estivesse tão cansado. Se não pintasse nenhum compromisso dos de sempre. Se ele não ficasse bêbado demais pra isso ainda que fosse segunda-feira ou todos os outros “ses” que consomem nosso cotidiano.
Ela não estava acostumada com “ses”, com o trânsito, com a falta de educação e com o preço do tomate. Ele sentia dor por não conseguir transpor a barreira emocional que todo bom jovem de 20 e poucos anos morador de São Paulo moldou em si ainda que involuntariamente. Tinha colocado o amor ou qualquer coisa maior que sexo casual no mesmo pedestal em que colocara a ideia de sair dessa cidade maluca.
Ela foi embora e chorou discretamente nos primeiros 10 minutos de voô. Ele saiu correndo pra pegar o ônibus que quase perdeu ao sair do aeroporto. Domingo é foda de passar ônibus. Seus pulmões fumantes e poluídos se esforçaram tanto nesse pique que seu cérebro só podia se concentrar em recobrar o fôlego depois de achar um banco vago. São Paulo. As planilhas de amanhã. Não pensou nela. Tinha mais o que fazer.
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