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Algumas coisas parecem acontecer somente com a arte da Música. Dificilmente podemos imaginar dois escritores de estilos diferentes fazendo um só livro. Dois pintores de escolas e influências diversas conseguirem sintetizar seus talentos num quadro. No cinema, nem pensar. Mas na música tudo é possível, e em 2012 novamente ficou provado que talentos com carreiras diferentes possam se encontrar em algum lugar no tempo e fazer uma obra cuja excelência é notada nos primeiros acordes. Cherry Thing é um álbum que reúne a banda de Free Jazz The Thing com a talentosíssima veterana Neneh Cherry, ambos da Suécia.

cherry thing 01

A história de Neneh Cherry é impressionante. Seu padrasto é Don Cherry, grande trompetista de jazz e que teve fundamental influência na vida da pequena Neneh, que acompanhava Don em turnê com o fantástico saxofonista Ornette Coleman. Assim começava a total integração com aquele mundo musical de raros talentos. Um dos fatos relatados por Neneh Cherry é que por volta de seus quatro anos de idade, Miles Davis a segurou no colo e ela pode sentir a textura do seu casaco de jacaré do músico. Mas a menina cresceu e aos 14 anos fez parte de uma banda punk (The Slits), aos 16 formou sua própria banda de punk rock. Durante a década de 80 e 90, Neneh transitou entre diversos ritmos exercendo toda multicultura musical. Discos que mesclavam pop, dance, hip-hop, trip-hop com sucesso, trabalhos que tiveram reconhecimento da mídia e público. Desde 1996, entrava esporadicamente em estúdio, participou como colaboradora em discos dos amigos como Michael Stipe (R.E.M.), Gorillaz, Groove Armada, entre outros. A questão é que Neneh Cherry influenciou gente como Lauryn Hill à M.I.A.

 

Neneh Cherry & The Thing – Accordion (Madvillain)

 

Já o The Thing é formado por Mats Gustafsson (saxofones), Ingebrigt H. Flaten (baixo) e Paal Nilssen-Love (bateria). Tocando juntos desde 2000, a banda se desenvolveu num estilo de free jazz, bem pesado e visceral, tocando covers de jazzistas como Don Cherry, Frank Lowe, ou do rock alternativo como PJ Harvey, White Stripes. Vários discos gravados nesses quase 13 anos de atividades e participações em discos de gente conhecida como o produtor Jim O’Rourke (Sonic Youth, Wilco, Smog, Joanna Newsom) e Thurston Moore (Sonic Youth) entre outros músicos que abrem espaço para experimentações musicais radicais. E assim foi até se encontrarem com Neneh Cherry.

 

Neneh Cherry and The Thing – Dirt (The Stooges)

Antes de consideração sobre o álbum, Cherry Thing é uma homenagem a Don Cherry. O disco é impregnado dessa aura reverência, mesmo sendo um disco de quase só covers (Há uma composição de Neneh e outra do The Thing) e das mais diversas matrizes. O disco é a junção da bela e a fera. Neneh Cherry domina sua voz, seu balanço, sua emoção e sua força que atingem momentos sublimes como em Accordion, cover do grupo de hip hop Madvillain. Chega sensual e caótica na brilhante cover de Iggy Pop & Stooges, Dirt, onde o The Thing mostra sua fúria ao distorcer uma música que já nascera doentia. Golden Heart é uma composição de Don Cherry, transformada numa pegada psicodélica e espiralada até chegarmos ao centro do coração deste disco-homenagem. O disco segue com composições de Ornette Coleman, Suicide (banda punk) e Martina Topley-Bird. Mas é difícil falar sobre um disco complexo e tão prazeroso, o melhor é ouvi-lo e se deliciar com um dos melhores trabalhos dos últimos anos. Vida longa ao The Thing, vida longa à  Neneh Cherry.

 

Neneh Cherry and The Thing – Dream baby dream (Suicide)

 

Faixas do disco:


Cashback  –  Neneh Cherry

Dream Baby Dream  –  Martin Rev / Alan Vega

Too Tough to Die  –  David Holmes / Chloe Page / Martina Topley-Bird

Sudden Moment  –  Mats Gustafsson

Accordion  –  D. Dumile / O. Jackson

Golden Heart  –  Don Cherry

Dirt  –  David Alexander / Ron Asheton / Scott Asheton / James Osterberg

What Reason  –  Ornette Coleman

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