Foto: Hudson Rodrigues | Texto: Gabriel Lima
São Paulo não é apenas a terra da garoa, mas também a terra dos edifícios. Quem não mora provavelmente trabalha em um e, assim como eu, convive diariamente com o mecanismo de constrangimento coletivo chamado: elevador. E digo mecanismo porque ele certamente foi projetado não só para o transporte vertical nos prédios, mas também para o mal-estar horizontal da sociedade.
Começa no saguão. Enquanto estamos lá, sozinhos, o mundo é lindo: verificamos em qual andar a Caixa do Mau está, apertamos o botão e logo planejamos tudo o que vamos fazer: olhar no espelho, espremer aquela maldita espinha, tirar a cueca/calcinha do rego, entre outras intimidades. Até ai tudo bem, tudo normal. Mas não demora muito e alguém chega. Sempre chega. Alguém que você mal conhece e já odeia. Alguém que não entende que aquele era seu o momento, o seu ritual, os seus planos. Alguém que acaba de estragar tudo. Parece até que estava adivinhando. E o pior não é isso. O pior é que é recíproco: ao te ver certamente esse alguém também desenvolveu um ódio instantâneo. Ou você acha que é o único que gosta de privacidade?
Essa é apenas a primeira etapa do desconforto. O resto acontece na própria Caixa Infernal. Depois de entrar nela não há como fazer nada produtivo. Arrumar o cabelo, cutucar o nariz e peidar estão fora de cogitação. Foto para o Instagram? Esquece. Quando a porta abre todos leem a placa imaginária: “Fale sobre o tempo ou não fale. PS: permitidas piadas sem graça”.
A situação é tensa. Você entra com desconhecidos numa cabine de aço suspensa por cabos e não tem a mínima ideia do que dizer ou fazer. Seu único objetivo é não ser mal-educado. Aliás, se a gente pensar bem, o elevador é uma boa ferramenta de educação. Os alunos de meteorologia deveriam fazer especialização em elevadores, pois é só colocar o primeiro pé nele que qualquer um se transforma em um especialista climático. Do nada surge assunto. Em dias de chuva ou frio então, a situação é perfeita.
Em algumas das Caixas Neutralizadoras de Assunto também existem pequenos monitores que, sinceramente, não acho que sejam um formato de mídia e sim uma forma de tentar ameninar o desconforto dos navegantes. Neles, passam manchetes de notícias relevantes como: “Homem torce tornozelo na Rússia”, “Família holandesa constrói carro com palitos de fósforo” ou “Bebê na Hungria nasce com dois pés esquerdos”. O curioso é que por mais estranhas que as notícias sejam, elas sempre prendem a atenção de todos no recinto. É melhor olhar para aquele monitor com cara de conteúdo do que para as outras pessoas, pois além fingir que está ocupado, não há chance de fazer besteira.
Os minutos parecem meses; os segundos, dias. Todos acompanham ansiosos o passar dos andares, como se estivessem acompanhando o sorteio da loteria com seus bilhetes na mão. Relógios, botões e gravatas são conferidos com frequência. E o telefone, site e endereço da empresa que faz a manutenção do Caixote Suspenso são lidos e decorados até que ele chegue ao andar de cada viajante.
É sempre um alívio ver os outros saindo. A cada pessoa que deixa a Caixa do Mau, parece que sobra mais oxigênio, mais espaço, mais vida. Você se sente um vencedor por ficar ali mais tempo. Até que em um belo momento o elevador chega ao seu destino. As portas se abrem novamente e você se orgulha por vencer mais esse desafio cotidiano. Ufa! Tá ai um tipo de viagem que deixa qualquer um sem palavras.
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