Texto por Valter de Moraes | Fotografia por Hudson Rodrigues
As férias começaram, e a necessidade de descanso levou-me mais uma vez a um equívoco. A vã tentativa de recuperar tantas horas de sono com exageros prendeu-me na cama até muito mais tarde, e o nada que passou na tevê — em todos os canais — parecia realmente interessante.
E cada dia foi passando sem que eu replantasse aquelas mudinhas que dependiam de mim, o banho nos cães, os passeios curtos em família, o sol bonito nascendo e se pondo, a lua clareando as noites… Tantas pequenas coisas…
Foi já cansado de tanto evadir-me de mim mesmo que liguei o computador. Era uma sensação de embriaguez, como a de um homem que, já distante de si, insiste na “saideira”, na esperança de que esta o traga de volta à consciência.
Verificando a correspondência, no meio das correntes, de tantas ofertas e promoções, um lembrete: “Nesta semana, … de seus amigos fazem aniversário. Escreva para eles”. Nem todos daquela lista eram meus amigos. Nem todos… Mas havia certamente alguns, a quem eu gostaria de… “dizer”. O pretexto do aniversário sempre é perfeito para dizermos às pessoas que as amamos. Mal escrevia e já recebia a resposta, tudo com a rapidez que a informática gosta. Fui, então, reencontrando-me com algumas pessoas e reencontrando em mim mesmo uma maneira… de cuidar da vida.
A vida está em mim, antes de eu poder percebê-la no outro, nos lugares. É cuidando da minha alma que meu corpo ressentirá dos cuidados, e é só atingindo o outro que poderemos cuidar juntos da casa em que vivemos…
Aprender a dizer o que sentimos é conquista da maturidade. Ela, que nos reaproxima de nossos pais, de nossas origens, de nós mesmos. Ela, que cai sobre nós como a cerração desses dias de inverno e nos lembra que talvez já tenhamos vivido mais da metade do tempo que há…
Com palavras e silêncios, com gestos e sorrisos, com ações e consciência… Nas aulas, nos exemplos, nos livros e nos e-mails, nas mensagens de celular, no vento!… Não há melhor maneira de cuidar da vida que passa do que cuidar da alma da humanidade espalhada nos nossos próprios corações.
Presas nas formalidades, as palavras mais espontâneas não podem surgir. Açoitados por “prezados” e “caros”, os irmãos não podem fluir. Sufocada na incerteza do “o que vão pensar…”, o sentir presente se cala. Sob a ditadura dos fones de ouvido, as pessoas se esbarram mudas como se se provocassem umas às outras.
E a vida vai passando diante dos nossos olhos, feito um rio poluído que carrega mágoas e arrependimentos, culpas e mudezas…
“Não disse o quanto eu o amava…”
“Não disse num abraço que eu estava lá…”
“Não disse numa mensagem que minha casa era sua…”
“Não disse que queria sua companhia porque…”
“Não disse…”
“Não… diss…”
“Ssss… ssss… sss… ss…”
A depressão é o câncer que nos vai matando aos poucos. Nossas crianças deixam de brincar, nossos jovens perdem o melhor da festa, e nós… bem, nós estamos viciados na confusão.
Assumimos o catastrofismo destes dias com muita facilidade, e até que queremos crer no fim dos tempos. É mais cômoda a impressão de que o inominável vá nos destruir irremediavelmente: o problema é grande e complexo demais… e não se resolverá por si, nem ocorrerá com a rapidez com que nos acostumamos…
Jamais pude imaginar que a frieza de um computador pudesse me provocar a cuidar da vida, como aconteceu. É porque, na realidade, não foi ele. Foram as pessoas, sempre elas… “o uno nos versos da multidão”, assim diria Rohden.
Não sei o que farei amanhã — não importa. Talvez nem amanhã haja, mas hoje, agora, tenho planos: há que se replantar aquelas mudinhas, o banho nos cães, os passeios em família, o sol bonito nascendo e se pondo, a lua clareando as noites… Tantas pequenas coisas de cuja falta me ressentirei…
“FuTuRo” é o nome que isso tem…
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