Acabou Chorare, de 1972, é muito mais do que um disco. Pode ser considerado um manifesto, uma viagem coletiva, uma Tábua de Esmeraldas, uma trilha sonora de algo muito maior. Pode ser considerado o hino oficial deste time baiano que vinha a campo com o camisa 10, Moraes Moreira, os pontas Baby e Paulinho Boca de Cantor, a zaga com Dadi, Jorginho, Baixinho, Bolacha e o centroavante Pepeu, todos sob a tática do professor Galvão.
Eleito pela revista Rolling Stone como o maior disco da história brasileira, Acabou Chorare é também o meu preferido dentre a obra dos Novos Baianos. É o ponto alto da mistura perfeita entre o violão de Dorival Caymmi e a guitarra lisérgica de Jimi Hendrix. É como ser convidado a passar um fim de noite no Cantinho do Vovô, um pequeno sítio em Jacarepaguá que abrigava, de maneira anárquica e harmônica, toda a família Novos Baianos.
Conta a história que pouco tempo antes deste disco ser gravado, o grupo recebeu diversas visitas do cantor João Gilberto, que os influenciaria a acrescentar o samba à sonoridade dos Novos Baianos. Foi, inclusive, por sugestão de João Gilberto que o grupo gravou Brasil Pandeiro, samba de Assis Valente, na primeira faixa do disco. Com versos que exaltam, ao mesmo tempo, a cultura brasileira e a mistura desta com outras culturas, esse samba ilustraria perfeitamente a universalidade do som dos Novos Baianos.
Na seqüência, Tinindo Trincando arrebata o ouvinte e nos convida para passear por um mundo lisérgico e natural, morada de Baby e Pepeu durante três minutos de pura psicodelia brasileira. Uma curiosidade sobre as distorções ácidas de Pepeu é que ainda não haviam recursos para peças novas serem compradas para a sua Gianinni Supersonic. Parte dos agradecimentos devem ser destinados ao engenheiro e amigo de Pepeu, Paulo César Salomão, que atravessou noites estudando eletrônica até ter a brilhante ideia de equipar a guitarra de Pepeu com capacitores de uma televisão velha. O resultado pode ser ouvido nessa faixa.
Composta (em parceria com Galvão e Morais) e cantada por Paulinho Boca de Cantor, Swing de Campo grande é um samba com muito regionalismo e poesia, um misto da melancolia dos antigos com a alegria dos novos. Em entrevista à Rolling Stone, Paulinho atribuiu o refrão “Eu não marco touca / Eu viro toco / eu viro moita” aos conselhos de um rezador sobre como esquivar-se do mal (e das autoridades também). Segundo Paulinho, eles ficaram cinco anos sem pagar o IPVA do carro. “Passávamos pelos postos da Polícia Rodoviária e olhávamos para nossas próprias línguas. Ele nos ensinara que se olhássemos para nós mesmos ninguém nos veria”.
A quinta faixa, que dá nome também ao disco, não tem apenas em sua sonoridade bossanovística a influência de João Gilberto, um dos ingredientes da mistura dos baianos. Hoje cantora internacionalmente conhecida, Bebel Gilberto era só uma criança quando, após cair sobre o chão batido do Cantinho do Vovô, disse a frase que encantaria a todos os presentes: “Não machucou papai, acabou chorare”. Ninguém melhor do que uma criança para frasear o espírito dos Novos Baianos. “Invadiu minha casa / me acordou na cama / Tomou o meu coração / e sentou na minha mão/ Abelha, abelhinha”.
Em seguida, o dedilhado de Morais prefacia uma das canções mais geniais já materializadas. Mistério do Planeta, o nome já diz, é como a natureza misteriosa em forma de versos e acordes. Considero ser esta a canção que melhor define os Novos Baianos: a doce melodia de Paulinho sobre o violão de Morais, anunciando o solo ácido de Pepeu. Um verdadeiro clássico!
Encerrando o disco, Um bilhete para Didi é uma mistura ácida de frevo, baião e chorinho, em uma interação brilhante entre Pepeu e Jorginho, sem precedentes na música. É o principal som do “rockarnaval”, um dos estilos atribuídos aos Novos Baianos. O disco ainda contém um segundo take de Preta Pretinha, uma versão mais “direto ao ponto” feita para tocar nas rádios.A audição deste disco, assim como a leitura desta resenha, é essencialmente compatível com o documentário Novos Baianos F.C., de Solano Ribeiro para uma emissora de televisão alemã. Em registros preciosíssimos, Solano eternizaria alguns dos momentos mais importantes da música brasileira neste documentário.
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