Quando Erik Welles, o manager da gravadora Luaka Bop, de Nova York, foi à Nigéria procurar pelo músico William Onyeabor, ele não esperava reencenar uma versão africana de 007. Mas com tanto mistério envolvendo o artista, talvez ele não se surpreendesse se desse de cara com um Javier Barden loiro de rosto corroído, como em Operação Skyfall.
Luaka Bop Records
— Você está aqui para ver o chefe? — perguntou a mulher, engolida pelo escuro de uma loja vazia, no centro da cidade de Enugu, sudeste da Nigéria. O tempo ali não passava, não por causa da estranheza da situação, mas porque o relógio pendurado na parede estava quebrado. — Você é da Rússia? — completou ela.
Depois de responder “sim” e “não”, respectivamente, às perguntas, Erik foi levado pela mulher para uma área afastada da cidade. Lá, escondido no meio da mata, estava o Ezechukwo Palace, que significa Palácio de Deus em lgbo. O lugar parecia um resort da década de 1960. E, por dentro, era mais impressionante ainda. “Eu vi uma escadaria extraordinária. Um sofá gigantesco em que cabiam umas 30 pessoas. Doze pilares brancos, para cada um dos apóstolos. Órgãos, teclados, sintetizadores e outros instrumentos espalhados ao redor da sala, com um gravador antigo. E inúmeras fotos do Sr. Onyeabor apertando as mãos de pessoas importantes e recebendo prêmios”, escreveu Erik.
Depois de alguns minutos de espera, ele finalmente pôde apertar as mãos de William Onyeabor, o homem que gravou por conta própria alguns dos discos mais interessantes da Nigéria, nos anos 1970 e 1980.
Ninguém sabe muita coisa sobre William Onyeabor. Talvez por isso Who is William Onyeabor? (2013) tenha sido uma boa escolha para nomear o primeiro álbum que compila as melhores músicas do conterrâneo do Fela Kuti. O disco foi lançado pela Luaka Bop, gravadora criada pelo David Byrne, do Talking Heads. É um dos cinco volumes da série World Psychedelic Classics, que também já lançou os Mutantes e o Tim Maia.
O trabalho entrou no Top 10 de melhores álbuns de 2013 da revista Time e ganhou medalha de prata da revista Mojo como o segundo melhor relançamento do ano, perdendo só para o Another Self Portrait, do Bob Dylan.
Mesmo assim, ninguém sabe muita coisa sobre o cara, além de que ele mistura funk com música eletrônica e usa o sintetizador como ninguém. Tipo, ninguém mesmo. Até 2013, não existia praticamente nenhuma informação sobre ele na internet.
Muito colecionador e dj rato já conhecia a peça. Mas foi só com World Psychedelic Classis, Vol. 3: Love’s A Real Thing: The Funky Fuzzy Sounds of West Africa, lançado também pela Luaka Bop, em 2005, que o nome dele atravessou oficialmente a fronteira da Nigéria. Havia apenas uma música, Better Change Your Mind, mas foi o suficiente para impressionar.
Em 2008, o escritor nigeriano Uchenna Ikonne, que mora nos EUA e escreve sobre a música do seu país no blog Comb and Razor, entrou em contato com a Luaka Bop e disse que poderia ir atrás de Onyeabor para conseguir os direitos das músicas e lançar uma compilação. A ideia era que em três meses o disco estivesse pronto.
Mas foram cinco anos de negociação e telefonemas desligados na cara. Só para encontrar Onyeabor, Ikonne demorou nove meses. Depois mais dois anos para conseguir a assinatura. E mesmo com a assinatura, Onyeabor se negava a passar qualquer tipo de informação sobre ele.
Foram três anos de atraso até que o novo manager da gravadora decidisse descobrir a biografia do músico de qualquer forma. Vendo que a internet e os amigos da Europa e dos EUA não iam ajudar em muita coisa, ele resolveu ir até a Nigéria. E viver uma aventura jamesbondiana.
“Cheguei lá com muitas coisas para ele responder”, afirmou Erik Welles, ao jornal The Guardian. “Eu ainda não sei como ele conseguiu fazer tudo aquilo. Ele é um homem de sucesso e não acha que precise desse reconhecimento (musical). Talvez ele não queira voltar àquele período. Ele diz que sofreu muito naquela época.”
Ao The New York Times, o músico topou responder a algumas perguntas pré-combinadas, ao telefone: “Eu era um pecador que se arrependeu e se doou 100% a Cristo”, afirmou em um discurso Tim Maia ao contrário. “Só tenho orgulho da minha música por causa do aspecto criativo dela. Eu não a usei para louvar Deus. Por isso, decidi que agora tudo o que eu faço é para louvar e pregar as palavras de Deus”.
Ele não topou falar sobre sua educação, sobre sua carreira ou sobre os teclados moog que, possivelmente, só ele tinha na Nigéria dos anos 1970. Mas aos poucos algumas informações foram surgindo.
A compilação Nigeria 70: The Definitive Story of 1970s Funky Lagos, de 2001, diz que ele estudou cinema na Rússia e que foi um homem de negócios que teve relações com o governo. Na capa de seu álbum de estreia, Crashes in Love, de 1977, ele é descrito como um cineasta profissional. E o álbum é tido como trilha sonora de um filme de mesmo nome, “uma tragédia de uma princesa africana que rejeita um amor comprado pelo dinheiro”. Ninguém viu esse filme. Mas o logo de seu estúdio, o Wilfilms Limited, aparece na capa.
Erik Welles também afirma que, em sua visita, o músico disse que aprendeu a confeccionar discos na Suécia. Isso explica os aparelhos suecos em seu quintal e como gravou, produziu e confeccionou oito álbuns entre os anos de 1977 e 1985.
Há ainda um documentário lançado neste ano sobre o mito que envolve o artista, Fantastic Man. É uma parceria entre a Luaka Bop, a Noisey e a Phillips. Também não oferece muita informação sobre Onyeabor, mas serve para aumentar o séquito de fãs, que já inclui David Byrne, Alexis Taylor, do Hot Chip, Luke Jenner, do The Rapture, Pat Mahoney, do LCD Sounsystem, Devandra Benhart e mais uma galera.
No fundo, também, pouco importa como William Onyeabor conseguiu fazer o que fez ou por que resolveu se esconder de todo mundo no meio do mato e virar o Silas Malafaia subsaariano. Ele já jogou sua bomba atômica musical e os vestígios não vão sumir com facilidade.
Em maio de 2014, nomes como David Byrne, Hot Chip e The Rapture vão tocar o tributo ao vivo em Nova York, São Francisco e Los Angeles. Obviamente, Onyeabor não vai.
[popup_anything id="11217"]