Na sede do Teatro do Incêndio, localizada na rua Santo Antônio, coração do Bixiga, é um boneco travestido de anjo negro quem dá as boas vindas. Por ela transitam prostitutas, mendigos, poetas, enfim, os que gozam do centro paulistano. Quase dá para sentir a presença de Roberto Piva, poeta ligado à geração beat e aos marginais dos anos 1960, se acabando pela noite da rua Santo Antônio ou da vizinha rua Augusta.
Não por acaso Piva foi amigo e influenciador de Marcelo Fonseca, quem hoje adapta, dirige e protagoniza Baal – O Mito da Carne, neste novo reduto da poesia em Sampa. É uma conjunção de estreias. Além de ser a peça de abertura da sede do Teatro do Incêndio, que aconteceu em sete de junho deste ano, foi a primeira peça encenada por esta companhia teatral, em 1996. Baal também foi a primeira obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, escrita em 1918, quando tinha apenas 20 anos.
Como o próprio nome diz, ela conta a história de Baal, poeta que retorna a condição primitiva do homem e dessa maneira se entrega a seus instintos. Sempre com uma garrafa de champagne, Baal conquista virgens, diz sim a todas as experiências possíveis com seu amante Eckart e assim inspira comportamento transgressor a todos que o cercam. O romance entre Baal e Eckart representa, ainda, uma alusão ao relacionamento entre os poetas Rimbaud e Verlaine.
O espetáculo sugere que, numa sociedade controlada pelo capital, onde as atitudes se tornam mecânicas e insossas, só uma força transgressora pode despertar as pessoas para a vida. Segundo o diretor Marcelo Fonseca, nos dias de hoje Baal significa a rebelião individual contra a cultura e ideologias vigentes. Exemplo das denúncias feitas pela peça é o discurso de uma enferma num hospital onde Baal e Eckart procuram abrigo: “Há graça mas nunca se ri”, e finaliza, “temos o hábito de tudo, até dos desejos”.
Esta liberdade que o enredo suscita ganha força devido à abordagem do Teatro do Incêndio, baseada na experimentação. O que possibilita recursos como a participação da plateia e música ao vivo. A experimentação no teatro de Marcelo, aliás, revela sua afinidade com Zé Celso Martinez Correa, diretor do Teatro Oficina. Já trabalharam juntos, trocaram aprendizados teatrais e foi Zé Celso quem lhe incentivou a dirigir sua primeira peça, quando tinha apenas 22 anos.
Outro ponto em comum entre os dois está nas adaptações das obras de Brecht. Isto acontece porque são diretores preocupados com a mobilização social oriunda do teatro, conforme defendia o dramaturgo alemão. Foi Brecht quem fundou o teatro épico, em que além do drama – representante do presente, com o puro diálogo entre dois personagens – também há uma noção de história: presente, passado e futuro. Tudo isso para não “iludir” o público com o presente (fazer “entrar na cena”, tornar passivo), mas lhe dar consciência do quadro como um todo, e assim despertar sua ação.
Contudo, para o diretor e poeta Marcelo Fonseca, a matriz de seu teatro, sua ligação entre Brecht e Roberto Piva, é a poesia. “Não acho que haja uma saída pela política, ideologia ou fúria. Eu acho que a saída é pela palavra que toca um outro ser”, defende o diretor. Em tempos onde a poesia é desprezada, em Baal ela é invocada ao centro de São Paulo, e assim segue resistente, e ameaçadora.
Teatro do Incêndio – Rua Santo Antônio, 723 – Bela Vista
Temporada até 01/09
Sextas e sábados às 21h e domingos às 19h
Ingressos: Sextas R$ 25,00, Sábados e Domingos: R$ 40,00
Bilheteria 2 horas antes do espetáculo
Duração: 105 minutos
Informações: 2609-8561
Fotos: Priscila Castilho
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