“Os homens são como as ondas. Quando uma geração floresce, a outra declina”, costumava dizer o poeta grego Homero. E esta profecia nunca se fez tão atual como nos tempos de hoje. A crítica de todas as épocas defendeu sempre a importância de Odisseia e, inegavelmente, junto a Ilíada, do mesmo autor, é uma das maiores obras da história. Não à toa, a influência homérica é clara em obras como Eneida de Virgílio, Os Lusíadas de Camões e Ulysses, de James Joyce. Mas a influência não se limita aos clássicos. As aventuras de Odisseu, a superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, são a matriz de grande parte das narrativas modernas, desde a literatura até o cinema.
Quase três mil anos depois de escrito, o épico poema de Homero ganha novas cores, sons e sentimentos pelo núcleo Estúdio da Cena, composto por atores formados pela ESCH (Escola Superior de Artes Célia Helena) e pelo Teatro-Escola Célia Helena, que apresenta, entre 25 de outubro e 01 de novembro no SESC Santo André, a peça Odisseia. Com direção de Marco Antonio Rodrigues e dramaturgia de Samir Yazbek e Estúdio da Cena, a peça traz uma versão contemporânea da saga de Odisseu, herói que venceu a guerra de Troia, enfatizando sua perplexidade ao voltar para sua terra natal.
O poema – transformado brilhantemente em encenação – relata o regresso do protagonista Odisseu, um herói da Guerra de Troia, à sua terra natal, Ítaca. Como se diz na proposição, é a história do “herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, enquanto lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros”. Odisseu leva dez anos para chegar à Ítaca, depois da Guerra de Tróia, que também havia durado dez anos.
A trama da narrativa, surpreendentemente moderna na sua não-linearidade, apresenta a originalidade de só conservar elementos concretos, diretos, que se encadeiam no poema sem análises nem comentários. A análise psicológica, a análise do mundo interior, não era ainda praticada à época. As personagens agem ou falam ou então, falam e agem. E falam no discurso direto, diante de nós, para nós – preparando, de alguma forma, o teatro.
Com o caráter de uma obra que transcende sua época, Odisseia tornou-se um enigma inspirador, assim como foi para James Joyce e Sergei Eisenstein, passando por Bertolt Brecht e contemporâneos, a motriz da Estúdio da Cena. Buscando atualizar, por meio da inesgotável fonte homérica, as angústias e interrogações de uma época, o poema cria vida pelas mãos do grupo trazendo uma odisseia de beleza, sentimentos e surpresa nesse espetáculo que faz, como poucos, um clássico imprimir contemporaneidade com tamanho talento.
Fotos: Rogério Pires
[popup_anything id="11217"]