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Conto: Robson Alkmim | Ilustração: Filipe Rocha

 

Rosana escreve no quadro negro, de costas para uma sala de aula abarrotada de adolescentes com olhares curiosos e sorrisos sarcásticos. Em seu rosto há fragmentos de tensão: Olhos semicerrados, lábios fechados, uma gota de suor escorre pela sua testa. O giz é quebrado por duas vezes antes que ela complete uma frase, sua mão tem dificuldade em desenhar bem as letras. O livro que segura na outra mão parece ter um peso muito maior que seu braço trêmulo consegue suportar. O sol infiltrado pela fileira de janelas da sala a incomoda. Em seus ouvidos penetram sussurros impertinentes: É ela? Sim, tenho certeza, eu vi ontem, um absurdo! Ah, mas ela é gostosa pra porra.

 

Sentada em frente a um computador no quarto escuro de seu apartamento Rosana lê um e-mail estranho, uma proposta de sexo, pagamento em dinheiro. Ela deleta a mensagem. Passa a mão pelos cabelos, levanta-se, vai até a janela e a abre. Falta-lhe ar, a paisagem urbana verticalizada provoca-lhe tontura. Inclina-se sobre o próprio corpo com as mãos agarradas ao parapeito da janela. Ela solta um gemido. Seu corpo dói.

 

Enquanto anda pelo pátio vazio da escola em direção ao portão de saída, um homem de terno se aproxima e agarra o braço de Rosana sem muita força. Ela se vira e sorri constrangida. Eles se conhecem. Ele pergunta se ela está bem, ela responde que sim, ele devolve um sorriso estranho de dentes amarelos, ela observa a pintura na parede atrás do homem que parece esbaforido. Os dois caminham, conversam sobre coisas banais da escola. Atravessam o pátio, estão na rua, ele convida Rosana a uma carona. Ela pensa, observa o sol se pondo, responde entre os lábios vermelhos que tudo bem, ela o conhece há tempos.

 

Dentro de um ônibus lotado, Rosana tem a sensação de que todas as pessoas estão olhando para ela. Ela está em pé com homens ao redor, sua bolsa e sua pasta estão no colo de uma mulher sonolenta que gentilmente havia se oferecido para segurá-las. Rosana sente que os corpos dos homens não estão tentando se equilibrar devido ao movimento rude do ônibus, eles roçam em seu corpo com desejo, ela sente seus cheiros e suas respirações. Mulheres sentadas em cansaços particulares olham de soslaio para Rosana, parecem cochichar coisas a seu respeito. Seu coração quer explodir, mas ela suporta aquela maré. Quando chega ao seu ponto, ela desce do ônibus cambaleando pela rua já anoitecida, segurando a pasta e a bolsa sobre os seios. Entra num bar e vai ao banheiro. Vomita na pia.

 

Rosana ao telefone chora e discute com o ex-namorado. Faz-lhe mil perguntas, quase sempre as mesmas. Duvida o tempo todo das palavras que surgem do aparelho. Tem os olhos inchados e cinzentos, não tem dormido. Há uma caixa de calmantes aberta sobre a mesa da sala junto a uma garrafa vazia de vinho e uma taça destroçada no chão. Os berros de Rosana ecoam pelo apartamento. Ela bate o telefone três vezes como se quisesse matá-lo. Vai à cozinha e pega uma nova garrafa de vinho sobre a pia e uma taça no armário, desatarraxa a garrafa com um saca-rolhas, pega a taça e a observa, depois a joga contra a parede vendo seus pedaços caírem sobre o tapete. Agarra o vinho e bebe entre soluços.

 

Após uma aula desastrosa, em que dois alunos brigaram por causa de um vídeo de Rosana, ela foi chamada pela diretora da escola para uma reunião.

 

Em três dias, o perfil de Rosana no Facebook recebeu mais de 70 mensagens completamente agressivas. Entre propostas de sexo, cantadas do pior nível e xingamentos de homens e mulheres chamando-a de puta, vadia e pilantra, havia uma ameaça de morte, para o pânico de Rosana, que ia além de toda a vergonha que já vinha passando durante a última semana. Ela não teve dúvidas em deletar a sua conta, não somente do Facebook, mas de qualquer outra rede social.

 

Duas amigas de Rosana a aconselharam a procurar um advogado. Apesar das reprovações sobre a atitude da amiga, elas pareçam em apoio. Rosana não se sentiu completamente agradecida por isso, já que todas as pessoas, incluindo a família (seu pai cortou relações com ela e sua mãe diz sentir profunda aversão a filha), tornaram-se ameaças para sua integridade, mesmo que esta integridade ela acredite jamais reconquistar plenamente.

 

No carro, o colega de Rosana parece nervoso, fita as pernas nuas da moça, desafoga-se da gravata, tem a boca seca, mesmo assim lhe dirige palavras normais. Rosana sente-se estafada, tem sono, os olhos lacrimejam e ela está monossilábica. Ao chegar próximo ao prédio da moça, o homem acelera o carro e passa direto. Rosana em pânico começa e discutir com o colega, ela ameaça a abrir a porta num semáforo fechado, ele a impede, pede desculpas, mas parece transtornado, sua muito. Em cinco minutos o carro está em frente a um motel. O homem faz declarações de amor à Rosana. Ele gesticula, tenta tocá-la, mas ela o impede sentindo muita vergonha pela situação. Ela é agarrada como último recurso do sujeito que recebe socos e uma dentada no ombro, o que faz que ele de um grito e solte Rosana, que sai do carro e corre pelas ruas. Sua pasta fica no carro do colega que, com o rosto vermelho e xingando Rosana entre os dentes amarelos, dispara com o carro e some na noite.

 

Na reunião, a diretora, com um olhar reprovativo, explica os motivos que a fazem com que tenha que afastar Rosana do trabalho, em outras palavras, ela está demitida. Rosana não ouve a diretora, tem o olhar vazio para as suas mãos sobre o colo. Seus dias de professora estavam mortos aos vinte e tantos anos.

 

Na internet, Rosana lê a entrevista que foi feita com ela por uma jornalista, sem citar seu nome nem expor sua imagem. Lá, ela explica que tem certeza que o ex-namorado espalhou um vídeo dos dois fazendo sexo, com todos os dados de sua existência e que a coisa tomou proporções assustadoras. Sente-se insegura e humilhada. Não sai de casa há mais de três meses e que pretende mudar de cidade, mudar de carreira, mas que está difícil fazer com que a vida tenha algum sentido novamente. Processará o ex, mesmo sabendo que a exposição ainda será longa e que sua história está manchada. Ela ainda diz na reportagem que a atitude de nossa sociedade em relação ao seu caso não a espanta completamente por conhecê-la bem, mas que desconhece o limite da hipocrisia de pessoas aparentemente normais que se transformam em verdadeiras bestas humanas quando sentem suas questões morais ameaçadas. Ela havia se transformado num ser abjeto, mesmo não tendo culpa, mesmo não tendo feito nada daquilo que os outros também fazem. Rosana termina a entrevista perguntando, direcionando aos seus algozes: Qual o limite da sua estupidez? Qual o limite de seu ódio? Por que destruir a vida de alguém que não tem nada a ver com suas vidas, quando vocês deveriam se importar com coisas realmente importantes para todos?

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