Direto do país tropical para o cinema terceiro mundista, o Brasil que hoje é conhecido além do samba, por filmes com paisagens fantásticas é também um país que reconstrói sua imagem política e estética recuperando e (re)lançando filmes de uma época que nem sempre teve céu azul.
Essa semana ouvi comentários nem tão construtivos como “filme brasileiro é muito chato”. Bem, estamos falando de um país em que o cinema ganhou outro caráter nas mãos de cineastas como Glauber Rocha, Eduardo Coutinho, Fernando Meirelles, e entre tantos outros, que descobriram o poder cinematográfico. O cinema nunca foi mero entretenimento, muito menos uma chuva de efeitos especiais. O cinema, primeiramente, deve ser pensado como uma ferramenta, mas o que ela constrói?
Georges Méliès, diria que o cinema constrói sonhos. Mas o cinema vai além, ele constrói pensamentos, imagens e consegue expor uma realidade por meio da ficção. Glauber Rocha diria que o cinema tem um compromisso com a verdade, e é essa que felizmente muitos dos nossos filmes vem exibindo ao longo de suas películas. Por isso, o cinema brasileiro não é chato.
Essa semana também, o Brasil recebeu uma notícia que tardou, mas não falhou sobre o suposto “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog no período da Ditadura Militar. Para quem acompanhou os jornais, a Justiça determinou a retificação do atestado de óbito de Herzog, morto em 1975 em São Paulo. Sendo assim, constará que o falecimento se deu por conta de maus-tratos em dependência do 2º Exército – SP (DOI-Codi, ou Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna subordinado ao Exército).
Quando vi a reportagem sobre a decisão da Justiça, lembrei de um filme que está passando esses dias em alguns cinemas da capital paulista: Cabra Marcado para Morrer (1984) de Eduardo Coutinho teve reestréia após restauração, agora com cores vivas e som vibrante. Para quem não sabe, esse filme expressa muito bem as mudanças histórias e políticas do nosso Brasil. O filme era para ser uma narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira (líder camponês da Paraíba assassinado em 1962), mas foi interrompido em 1964 por conta do golpe militar. Porém, 17 anos depois, Coutinho resolveu retomar suas filmagens e ai o verdadeiro milagre do cinema aconteceu, novamente a verdade sendo exposta.
Coutinho é considerado um dos mais importantes documentaristas brasileiros, foi a sua sensibilidade pela perda do outro que nos trouxe esse filme que se tornou um marco da história. Ele volta 17 anos depois, e busca a viúva Elizabeth Teixeira e seus 11 filhos que foram separados após a morte do líder camponês. Imagine um filme que tinha tudo para ser triste, ter tiros, gente morrendo, etc e tal, e virou um filme que expressa à trajetória dessa família brutalmente abalada e separada, mas que representa a realidade de tantos outros brasileiros desse país afora, como no caso da família do jornalista Herzog.
A importância do restauro não foi apenas estética, pois os trechos que estavam incompletos ao longo dos anos, as cenas “perdidas”, e as falas interrompidas representam gerações e Brasis que vem crescendo e se reconstruindo após mudanças econômicas, políticas e sociais. O “Cabra” sobreviveu para contar história, e é esse mesmo “Cabra” que retorna em outras formas para mostrar aquilo que estava subentendido, para dar voz aquilo que foi calado, para manter seu compromisso com a verdade, demorando o tempo que for, e utilizando muito bem essa ferramenta de poder que o cinema brasileiro tem.
Cabra Marcado Para Morrer
Quando? Em cartaz
Onde? Espaço Itaú de Cinema (Rua Augusta, 1.470/ 1.475 – Consolação)
Quanto? http://www.itaucinemas.com.br/informacoes/
Outros filmes:
Vlado 30 anos depois (2005), direção de João Batista Andrade.
Mais informações:
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