Eu tive tempo naquele dia. Algo insólito de se imaginar: nunca temos tempo, que não há como se ter esse controle, e que a porção de tempo que julgamos ter depende exclusivamente das nossas prioridades. Talvez naquele fim de tarde, naquele mesmo horário em que os pardais parecem comemorar – como não sabemos! – a graça do fim do dia, minha prioridade fosse entrar na catedral de Santana.
Como uma igreja vazia me faz crer que o Sagrado, às vezes, pousa por lá! Trazido por uma praga urbana: um pombo sujo que se insurge na limpeza do templo, ou um homem esquecido de suas tradições religiosas.
(E eu que quase me tornei padre!…)
No canto, só ali para me lembrar, a imagem de Nossa Senhora das Graças. Em tamanho natural, posta acima da altura de minha cabeça, a mãe de Jesus, de braços abertos, pisando sobre a serpente me fazia lembrar do poder do Bem, do amor que nos abriga… sempre! Foi um abraço de mãe que eu quis sentir… Deve ter sido ela com sua pureza que, pedindo a Deus por mim, subtraiu, naquele instante quatro décadas minhas e me deixou chorar como menino. E me abraçou de verdade.
– …
Não consegui dizer, nem orar, nem vigiar… Mas fui compreendido nas profundezas do amor misterioso do… Sagrado. Deve ter sido esse milagre que torna as mulheres mães que me entendeu por intuição: eu pedia socorro. E ela me respondeu como só as mães sabem nos dizer: “Passou, passou, psiss…psiss… Passou, não dói mais.” Elas sabem quando pedimos socorro. Elas podem sentir.
Não, não foi a estátua, como nos julgam aqueles que se incomodam com a religião alheia! Sabemos que uma imagem é só uma imagem. Aquela estátua na igreja não era mais que uma fotografia. Como essas, de nossos avós ou pais, ou mães… fotografias amareladas pela idade, mas que trazem de volta as pessoas que amamos e já foram para o encantado. A imagem se reconstrói e eles nos abraçam de novo… ou pela primeira vez!… Os abraços idealizados são perfeitos, feitos de uma compaixão perfeita.
Por isso, se aquela imagem, um dia, se perder. Se a inconsciência humana, culminar numa guerra que destrua as igrejas e a catedral de Santana… e aquela imagem materna se quebrar em milhões de pedaços no chão frio, o instante do abraço mariano na minha alma combalida… jamais se apagará! Será como a fotografia em que eu, bebê, peladinho, aparecia no colo de minha mãe, destruída pela minha alma adolescente cheia de complexos… segue bem aqui: dentro de mim. Indestrutível…
Fico feliz que existam as fotografias, os filmes as imagens para tomarmos em nossas mãos. Que haja as palavras! Às vezes, peço socorro pelo whatsapp. E vão as palavras contornando meu espírito cansado, levando-o aos olhos e corações dos amigos. Os dedos é que desenham, mas sinto como se minha garganta sangrasse ao gritar para dentro. E peço à terra dos amigos e afetos que me resgatem e me livrem da dor de não poder fazer extinguir-se a dor!
E é então que chegam como chuva quente de verão! Correnteza quente e vertical apagando a poeira e me dando o ar limpo que sobe do chão. Batismo em dia comum, bênção descendo sobre mim feito manta de mãos. Um, e mais um, e outro mais formando um abraço tão grande que me faz sumir.
“ – Passou… passou…
Em todas as vezes em que peço socorro, sou atendido e desisto, então, de desistir. E volto a ter fé no que não posso ver. E volto a achar bem fácil encontrar pequenas felicidades: no meu sofá gigante, na sanduicheira quebrada, no canteiro de lírios que eu plantei sozinho…
Em todas as vezes em que peço socorro, dou a oportunidade da gente que eu mais amo sentir o melhor lado da humanidade. Dou a eles o que eles me dão: pão e vinho da dor e da alegria, que deve ser partilhado com alegria porque estamos todos aqui. Só para aprender, só para aprender…
Tenho pena das pessoas que não sabem pedir socorro. Não serão abraçados pela Virgem Maria, nem tomados nos braços dos amigos, nem saberão o que é uma manta de mãos, nem conhecerão a alegria inefável de… partilhar.
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