Tudo do que se vê é o negro. Mesmo com cortinas abertas, nada se via. Ansiosamente esperando, os espectadores são surpreendidos por uma austera voz. “Boa noite, senhoras e senhores. Sejam bem-vindos ao show Atento aos Sinais”, dizia. “Com vocês, Ney Matogrosso“. Do negro se fez, de repente, luzes coloridas e ensandecidas piscando sem parar e, ao centro do palco, uma figura do mais alto garbo e lascívia já vista. Uma melodia apoteótica toma conta de cada canto da casa de shows enquanto Ney Matogrosso se levanta, se remexe e soa sua bela voz em contra-alto sobre gritos enlouquecidos de “gostoso”.
Atento aos Sinais, o show, traz um repertório quase que plenamente novo de compositores igualmente novos – a não ser pela inclusão de canções de Paulinho da Viola, Caetano Veloso, do vanguardista paulistano Itamar Assumpção e uma das canções mais enfáticas do grupo Secos & Molhados – o qual fez surgir a figura de Ney Matogrosso, além da revolução estética que se deu pelo mundo – a canção Amor. Com poucos clássicos, Ney escancarou canções pouco conhecidas pelo grande público como Oração de Dani Black e Freguês da Meia Noite, de Criolo. Mesmo com a surpresa para alguns, o cantor já é conhecido pela constante incursão de artistas e composições não necessariamente conhecidas em seus shows, o que fez, no caso de Atento aos Sinais, que a magia que o show poderia ter alcançado não chegasse, de fato, ao ápice.
Mas um show não se faz apenas por canções. A biógrafa Denise Pires Vaz defende que “dos cantores brasileiros, Ney Matogrosso é um dos poucos, senão o único, que pode merecer o título de showman.” Para os que o veem ao vivo, não há dúvida. Matogrosso é o mais elegante, o mais dramático, o mais misterioso com a voz que consegue dar forma a qualquer sentimento, desde que seja profundo. É como quem aceita um dom que se aplica em outras desventuras, assim ele canta. Canta e dança. Dança como quem não pede perdão. Ao contrário: se orgulha de ser quem é, acredita no que é e nos faz compartilhar desse sentimento. Seu rosto, esculpido e colorido parece inatingível. Seu corpo balança de maneira tão bonita e sensual que homens e mulheres são capazes de se sentirem atraídos por ele.
Além da voz indiscutivelmente bela com o tom em contra-alto pouco comum, Ney Matogrosso, enquanto persona, é um dos mais interessantes artistas brasileiros. Ao piscar das luzes no início do show, chega vestido de uma maneira tão elegante e, ao longo do show, despe-se aos poucos até ficar quase nu em pelo, joia e brilho. Quando dança e se despe, nos faz crer que é um rapaz de no máximo 20 anos, tamanha perspicácia e corpo muito bem cuidado com sucos naturais e exercícios físicos. Artista não tem gênero, nem idade. Não bastasse as vestes reluzentes e exóticas de Ney, a impecável iluminação criada por ele junto com bolinhas de sabão que sondavam o teatro enquanto cantava Astronauta lírico tornaram aquele espetáculo como algo lúdico, mágico. Um sonho de quase duas horas.
Atento aos Sinais se revela um espetáculo colorido, brilhante, misterioso, instigante, se assemelhando à enteléquia de seu personagem principal. Nos dá a felicidade de saber que algo muito bonito do passado não ficou lá. É brilhante e belo. Contudo, a beleza torna príncipes os que a possuem e Ney Matogrosso é um deles. Oscar Wilde nunca esteve tão atual.
Fotos: Victor Bauab/SOUL ART
[popup_anything id="11217"]